Centro de compras vai muito além do comércio, proporcionando encontros, reencontros e melhoria de vida para famílias que deixaram a terra natal e venceram na capital de todos os brasileiros

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17/01/2012 às 03:00

Feira de Ceilândia e de todos os nordestinos

Centro de compras vai muito além do comércio, proporcionando encontros, reencontros e melhoria de vida para famílias que deixaram a terra natal e venceram na capital de todos os brasileiros

Por

    Suzano Almeida, da Agência Brasília

    “Aqui lembro o meu estado (Piauí), que possui um calor humano muito forte. O clima de cordialidade é bem parecido com o do povo nordestino, sempre hospitaleiro.”
    Socorro Teixeira de Sousa Frequentadora da feira

    A Feira Central de Ceilândia é considerada um dos maiores destaques da cultura nordestina fora da região Nordeste. Ao redor das suas bancas trabalham e transitam famílias inteiras, que vieram para a capital do país em busca de melhores condições de vida e aqui permaneceram, criaram raízes e conseguiram extrair a felicidade.
     

    Inaugurada oficialmente em 1984, a Feira Central da Ceilândia, ao longo dos anos, se tornou um símbolo cultural e turístico da cidade que lhe dá o nome. A feira, na verdade, começou a funcionar ainda no início da década de 70, mas em três pontos diferentes (no centro de Ceilândia; no lugar onde hoje fica a Feira da Guariroba/P Sul e na extinta Vila do Pedrosa, na região norte da cidade) até que os feirantes conseguiram se organizar no centro da cidade. Durante quase dez anos eles trabalharam de forma precária, até que em 1982 se iniciou a construção do que é hoje um dos principais pontos turísticos de Ceilândia.
     

    Um dos pioneiros foi Francisco Nogueira França, ou simplesmente França. Administrador da feira há 20 anos (reeleito sete vezes), ele conta que, no início, eram menos de cem bancas, que vendiam confecções, temperos e animais vivos e abatidos, além de comidas típicas. Ao longo dos quase 30 anos de existência (são 28 anos, organizados com a mesma estrutura de hoje), os comerciantes puderam acompanhar o crescimento do fluxo de vendas e, a partir daí, sonhar com dias melhores, não só para suas finanças, mas para seus familiares. Hoje, a Feira Central conta com 463 bancas, que vendem confecções, bolsas, sapatos, utensílios para o lar, queijos, doces, ervas, tabaco, temperos, carnes, peixes, verduras e frutas.

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    Estrelato – As irmãs Tatiana e Katiana Nogueira Torres contam que, há oito anos, a mãe delas, Euci Costa Nogueira, comprou uma banca na Feira Central da Ceilândia. Foi a partir desse trabalho que Euci conseguiu ter melhores condições financeiras e pôde trazer toda a família do Maranhão. “A primeira vez que viemos morar em Brasília foi em 1995 e sofremos muito. Voltamos para o Maranhão e retornamos pra cá em 1999, mas também não deu certo. Foi quando minha mãe vendeu tudo que tínhamos e comprou a banca. Aos poucos ela conseguiu trazer os oito filhos, um a um”, descreve Tatiana, emocionada.

     “Para nós, a feira é tudo. Por meio das vendas na banca adquirimos conforto, plano de saúde e hoje todos da nossa família têm suas casas. Tiramos daqui nosso sustento”, diz Tatiana, que substitui a mãe – atualmente de férias – no trabalho. O esforço em família já rendeu sucesso local e nacional à banca de comidas maranhenses, com participações ao vivo em telejornais locais e programa de culinária em rede nacional.
     

    De acordo com as irmãs, por dia são servidas na banca maranhense cerca de cem refeições. No sábado, quando há maior movimento, o número ultrapassa 300. Assim como na cultura nordestina, muitos dos que moram ou trabalham em Ceilândia passam no local logo cedo, para tomar um café da manhã reforçado. Mas nada de cuscuz ou pão com manteiga. Os clientes gostam mesmo de começar o dia com um bom caldo de mocotó, entre outros pratos bem elaborados da culinária regional.
     

    França também conseguiu tirar o necessário para propiciar qualidade de vida a seus filhos. Ele conta que quando chegou a Brasília do interior do Ceará, ainda jovem, trabalhou de segunda-feira a sábado na construção da Feira de Ceilândia. Aos domingos montava sua banca de confecções, a poucos metros da obra. Com o aumento da clientela, França percebeu que era possível viver apenas da venda de seus produtos.
     

    “Foi trabalhando na minha banca que pude formar quatro dos meus cinco filhos e tenho uma neta que acabou de passar no vestibular”, afirma o administrador. “Esta feira se tornou uma família para mim. Passo mais tempo aqui dentro do que na minha casa. Aqui, quem tem vontade de crescer consegue”, enfatiza o comerciante.
     

    Toda a família – Por reunir diversos aspectos da cultura nordestina, muitos moradores nascidos ou com parentes que vieram daquela região gostam, além de comprar na Feira de Ceilândia, de também levar pessoas para conhecer as bancas, os produtos oferecidos, relembrar cheiros e sabores e adquirir produtos típicos da terra. A piauiense Socorro Teixeira de Sousa é um exemplo. Socorro aproveitou a calmaria do início de ano para levar a filha Gabriela Teixeira de Sousa e a neta Nívea Vitória Rodrigues Farias Cardoso para um passeio. O lugar, conforme deixou claro, lhe traz lembranças da terra natal, onde ainda mora sua mãe.
     

    “Aqui lembro o meu estado, que possui um calor humano muito forte. O clima de cordialidade é bem parecido com o do povo nordestino, sempre hospitaleiro”, diz Socorro, ao contar que a Feira Central de Ceilândia é programa obrigatório para quem vem visitá-la. Na última vez em que sua mãe esteve em Brasília, por exemplo, se surpreendeu com a grandeza e a quantidade de produtos oferecidos.
     

    Ponto de Encontro – A Feira da Ceilândia também guarda histórias de pessoas que não se encontram há anos. Tatiana conta que muitos dos frequentadores protagonizam cenas emocionantes. “Muita gente quando chega aqui depara com conterrâneos. E quando descobrem que a feira serve de ponto de encontro para os nordestinos, acaba ficando”, declara Tatiana.
     

    A feira conta hoje com um sistema de som, na administração, que tanto dá os recados, como faz a propaganda das lojas. As responsáveis são as locutoras Caliane Sousa, Zelda Martins e Zuleide Marciel. Zuleide está desde o ano 2000 na feira, mas apenas há alguns meses passou a ser locutora. Por anos trabalhou na limpeza dos corredores, mas nunca desistiu de seguir em frente e evoluir profissionalmente. Ela conta que muitas pessoas, esforçadas como ela, começam como vendedores e acabam virando gerentes e até donos de bancas.
     

    Oportunidades – Brenda Rafaela Lira da Cruz mora em Ceilândia Norte e foi até a feira a procura de seu primeiro emprego. “Estou em casa à toa por causa das férias, por isso vim até aqui ver as oportunidades e arrumar um trabalho para todo o ano”, conta.
     
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    Amiga de Brenda, Débora Joyce da Silva Pinto conseguiu há um mês seu primeiro emprego no mesmo local. Ela é vendedora de uma banca de roupas, mas por conta da volta às aulas terá de deixar o posto no início de fevereiro. Em sua carteira de trabalho, para a procura de um novo emprego, terá a experiência de ter trabalhado em um dos maiores centros de compras do Distrito Federal.
     

    São vidas que seguem, crescem, encontram oportunidades de negócio e a chance de prosperar. Ao lado de famílias que voltam a se unir, caminhos que se cruzam e se reencontram, tudo num só lugar – tendo as referências nordestinas como inspiração.

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    Casa de todos os nordestinos, Feira Central da Ceilândia abriga histórias de reencontros e vitórias
    Foto: Brito