21/07/2019 às 08:00, atualizado em 22/07/2019 às 13:46

Zoológico de Brasília trata e reabilita animais com foco na soltura 

Assistência envolve avaliação criteriosa para saber se o bicho pode voltar à natureza. Não é o caso da águia-chilena vítima de crueldade do ser humano 

Por Jéssica Antunes, da Agência Brasília 

Ave vítima de tiro de chumbinho passa por laserterapia para reabilitação no Zoológico de Brasília | Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

O canto da ave virou lamento. Nascida livre, a imponente e jovem águia-chilena de penas escuras foi alvejada por um tiro de chumbinho em uma das asas e, hoje, não pode voar. Resgatada em uma fazenda em Planaltina magrela e com fraturas, agora ela passa pelos cuidados dos médicos veterinários da Fundação Jardim Zoológico de Brasília. No Programa de Reabilitação e Soltura, o animal silvestre já passou por cirurgia e agora faz sessões semanais de fisioterapia. Devido à crueldade do crime que quase o matou, corre o risco de jamais poder voltar à natureza.

O objetivo da equipe do Hospital Veterinário do Zoológico é devolver à natureza os bichos resgatados com ferimentos, mas nem sempre é possível. A águia – que tem “chileno” no nome mas origem no sertão nordestino – voa a elevadas altitudes e acaba alvo de quem treina tiro por esporte. Pelo conjunto de ferimentos e o tempo necessário para recuperação, o animal resgatado em maio pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) não deve ser devolvido aos ares. Em vez disso, será direcionada ao plantel para reprodução.

Provavelmente fêmea, de acordo com o porte, a ave chegou no hospital veterinário com fratura em dois ossos da asa esquerda – rádio e ulna. Ela passou por uma cirurgia ortopédica para tirar o chumbinho, colocou um fixador externo e agora tem três sessões semanais de fisioterapia. “O calo ósseo precisa ser remodelado para voltar ao formato normal. Isso demora pelo menos um ano. Como ela já está recebendo alimentação com privilégios, vai ser bem difícil de voltar à natureza”, explica o médico veterinário Nícolas Costa.

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Pelas mãos da veterinária fisioterapeuta Catherine Lara, o animal recebe cuidados definidos por protocolo adequado à espécie. Ele precisa ser sedado para não ficar se debatendo, o que pode provocar mais machucados.

O tratamento de laserterapia auxilia no processo de cicatrização da ferida, enquanto o magnetoterapia cria um campo magnético e acelera o processo de consolidação. “Optamos aparelhos mais confortáveis, que não causam dor. De modo geral, temos bons resultados”, ressalta a veterinária.

“O que visamos é acelerar o processo para que possa retornar o quanto antes pro recinto ou à natureza, amenizando essa contenção do processo a que é submetido no tratamento”, aponta a médica veterinária. Com a atenção de toda a equipe, a ave já ganhou dois quilos.

Avaliação é criteriosa

Os animais feridos chegam ao Hospital Veterinário do Zoológico por dois caminhos. São direcionados pelo Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ou pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) da Polícia Militar do Distrito Federal. A maioria chega vítima de atropelamentos, de ações humanas, como alvo de tiros, ou vítimas de tráfico de animais.

No local, eles são assistidos, tratados, cuidados. A recuperação e readaptação desses bichos demanda muito tempo e dedicação. O prazo, no entanto, varia de acordo com cada espécie. Filhotes exigem cuidados específicos para que não se acostumem com os humanos e desaprendam a viver livres. Quando os bichos chegam adultos para tratamento, eles recebem os cuidados necessários e são soltos o quanto antes para que passem o mínimo tempo possível em contato com pessoas. Em época de seca, devido ao aumento de queimadas, surgem animais órfãos, perdidos e machucados.

Cachorro-do-mato, Drogo não deve retornar à natureza depois do contato continuado com o ser humano, assim como a parceira Khaleesi | Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

Os médicos veterinários do Zoológico atestam a possibilidade de soltar os animais, com análise de cada caso. É preciso perceber se o animal consegue caçar, defender-se de predadores e marcar território, por exemplo.

A definição do local para onde levar determinada espécie é feita pelo Ibama ou, no caso do DF, pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram). É necessário checar se a soltura não afetará o equilíbrio do ecossistema.

Os mamíferos e felinos são os de mais fácil devolução à natureza. “Eles vivem mais de caça, que é mais fácil de ofertar para manterem o instinto, que, apesar de não ser perdido, é preciso estimular”, diz Nícolas Costa, médico veterinário do Zoo.  Aqueles que não podem ser devolvidos à natureza, como a ave-chilena, ficam no plantel do Zoológico ou vão para criadouros.

Dois exemplares de cachorro-do-mato, batizados de Drogo e Khaleesi, podem morrer se forem libertados. O veterinário Nicolas Costa explica que eles não temem o maior predador deles, o ser humano, por terem crescido em contato com gente. Em vez de atacar, vão se aproximar para receber carinho ou alimentação. É o exemplo de um tamanduá-bandeira que esteve por dez anos sob os cuidados de uma família em uma chácara.

Crime ambiental

Matar, perseguir e caçar animais silvestres é crime ambiental. Segundo a legislação, isso inclui manter os bichos em casa sem autorização, praticar ato de abuso, maus tratos, ferimentos ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. As penas previstas na legislação sobre Crimes Contra a Fauna podem passar de três anos de detenção, além de pagamento de multa.