Dois mil descendentes de escravos vieram a Brasília em busca da titulação definitiva de suas terras

" /> Dois mil descendentes de escravos vieram a Brasília em busca da titulação definitiva de suas terras

">

07/11/2011 às 03:00

Marcha dos Quilombolas

Dois mil descendentes de escravos vieram a Brasília em busca da titulação definitiva de suas terras

Por

Suzano Almeida e Dalila Góes, da Agência Brasília

A Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) promoveu, nesta segunda-feira (07/11), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a Marcha Nacional em Defesa dos Direitos dos Quilombolas, que contou com o apoio da Secretaria de Especial de Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal (Sepir-DF) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ligada à Presidência da República. Representantes de comunidades quilombolas de todo o país se reuniram na capital federal, no dia Nacional de Luta Pela Regularização Fundiária, para reivindicar a legalização das terras que vivem.

Durante todo o dia, cerca de duas mil pessoas participaram de atos em favor da titulação das terras em nome dos quilombos. A secretária de Igualdade Racial do Distrito Federal, Josefina Serra dos Santos, foi uma das apoiadoras da Marcha. “Eu vim de uma comunidade quilombola e já militei muito pela legalização das terras de quilombo”, contou a secretária, que nasceu no Quilombo da Picada, no município de Cajapió (MA). Segundo Josefina, o Governo do Distrito Federal cedeu alimentação, transporte e estadia aos quilombolas que vieram à Brasília. A Marcha faz parte das comemorações do mês da Consciência Negra promovido pela Secretaria de Igualdade Racial do Distrito Federal.

“Esta é a primeira marcha nacional em defesa dos territórios quilombolas. A partir dela, quer se construir uma plataforma de propostas para o governo federal, no sentido de buscar agilidade aos projetos de regularização fundiária. É uma reivindicação de políticas públicas que está sendo feita ao governo federal”, explicou a secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Ivonete Carvalho, que cresceu no Quilombo do Barro Vermelho, em Restinga Seca (RS).

As manifestações das comunidades se baseiam no Decreto 4887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No país, já foram identificados mais de 3.500 comunidades quilombolas, sendo que cerca de 1.700 já receberam do governo a titulação de terra quilombola.

Sem a posse da titulação das terras em seu favor, os quilombolas temem que as próprias autoridades estaduais reivindiquem a posse dos quilombos. “Existem muitas ameaças de tomar nossas terras. Várias vezes já tentaram nos tirar de lá porque nossa terra não era legalizada”, afirmou o agricultor Natalino Fernandes Castro, que vive no Quilombo Calunga, em Monte Alegre (GO).

A quilombola Filomena da Cunha Fernandes contou que, antes da legalização das terras onde vive, a situação era difícil, já que, além do governo, especuladores também se interessavam pelas terras e faltava organização na utilização das áreas. “Foi uma benção. Antes disso se faziam casas e roças em qualquer lugar. Hoje, apesar de termos pedido para não dividirem as terras, permanecendo como era antes, as pessoas respeitam o espaço uma das outras na hora de plantar”, comemora Filomena, que completa: “Só saio de lá no dia em que morrer”.

Além de manifestarem-se em frente ao Palácio do Planalto, os quilombolas também estiverem no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir celeridade nos processos de legalização constitucional das terras de quilombo.

Campanha Nacional será lançada no dia 20

O fortalecimento da luta pelo direito à terra, ao desenvolvimento sustentável, à igualdade e à dignidade são os temas principais da Campanha Nacional em Defesa dos Direitos dos Quilombolas, que será lançada oficialmente no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. No rastro da campanha, o Senado promoveu na tarde de hoje (07/11) uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH), cujo principal tema foi a regularização das terras quilombolas. De acordo com os representantes das comunidades, a questão fundiária é hoje o principal problema dos descendentes de escravos.

Segundo Ronaldo dos Santos, coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), as pessoas enxergam os quilombos como algo distante, ainda do período colonial. “O cidadão comum precisa saber que os quilombos existem e que têm cultura e direitos como todos os demais cidadãos”, pontuou.

A Campanha Nacional em Defesa dos Direitos Quilombolas abrangerá um período de dois anos, com atividades públicas nas quais será possível conhecer mais sobre os quilombos brasileiros. “As personalidades que aderirem à iniciativa levarão o tema às agendas negras para que os quilombos tenham repercussão no conjunto da sociedade”, afirma Ronaldo dos Santos. Na pauta de discussões, debates sobre políticas públicas de valorização e proteção dos quilombos e questões étnicas, além da reflexão, avaliação e amadurecimento da luta e resistência pelas causas quilombolas.