21/03/2012 às 17:52, atualizado em 12/05/2016 às 17:55

Entrevista: Ilza Queiroz

Primeira-dama do Distrito Federal é uma das principais articuladoras de políticas públicas voltadas para a população em situação de vulnerabilidade

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. Foto: Roberto Barroso

As áreas de saúde e educação e as políticas públicas relativas às mulheres e aos idosos recebem uma atenção especial da  primeira-dama do Distrito Federal, Ilza Queiroz. Sensível às desigualdades sociais , a médica ginecologista possui olhar voltado às necessidades primárias e imediatas da população, experiência adquirida nos mais de 25 anos de atendimento na rede pública de Saúde do Distrito Federal. 
 
Os trabalhos desenvolvidos pelo Comitê Intersetorial de Mulheres, os programas DF Alfabetizado e DF Sem Miséria, e o lançamento da Unidade Móvel de Saúde são alguns exemplos da ampla atuação de Ilza Queiroz no Distrito Federal.  Em entrevista à AGÊNCIA BRASÍLIA, ela fala do seu trabalho desde que se licenciou da atividade clínica para se tornar uma das principais articuladoras de políticas públicas voltadas para a população em situação de vulnerabilidade.  Uma das ações que conta com a participação da primeira-dama é o Março Mundo Mulher, programação do GDF para celebrar, ao longo do mês, o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. 

O que a senhora destaca na programação do Março Mundo Mulher? 
 
Esta programação do GDF, por meio da Secretaria da Mulher em parceria com o Conselho de Mulheres, ampliou por um mês o que é comemorado em um dia. Assim tivemos mais possibilidades para realizar diferentes ações.  A data em si é importante, e nossa comemoração do Dia Internacional da Mulher deve ser sempre voltada para a luta e valorização da mulher. É importante incentivar o progresso e a evolução feminina, além de promover ações que mostrem a importância que a mulher tem. Uma das ações importantes já realizadas neste mês foi o Caminhão da Saúde. Esse trabalho é uma resposta aos anseios das próprias mulheres, principalmente daquelas que moram em regiões de vulnerabilidade social, que não costumam ir ao médico e, consequentemente, não fazem exames preventivos. Às vezes, elas não conseguem vaga para consulta. Ou, quando conseguem a vaga, estão sem dinheiro para o transporte e não podem comparecer ao hospital.  Essa é uma realidade que eu via muito quando estava trabalhando no Centro de Saúde. Então, a ideia do Caminhão é levar esse atendimento que as mulheres necessitam para perto de suas casas. É um benefício enorme para elas. 
 
Estas ações de saúde na assistência à mulher fazem toda a diferença na atenção primária? 
  
A atenção primária é uma área estratégica da saúde. Fazem parte dela medidas de prevenção e promoção da saúde, como vacinação, cuidados com nutrição e higiene. Por isso, essas ações de assistência à mulher promovidas pelo GDF são determinantes para o diagnóstico de doenças que matam e, quando não matam, levam a graves sequelas. É importante que o governo leve o sistema de saúde para perto das mulheres, pois isso elimina uma série de entraves que elas precisam enfrentar para comparecer ao hospital. Uma mãe, por exemplo, precisa que alguém fique em casa com o filho para que ela possa ir ao médico. Além disso, sabemos que muitas mulheres desempenham o papel de cuidar da casa, da alimentação e da família. Mesmo que ela trabalhe fora, ela continua assumindo a função de ser administradora e cuidadora da família.   
 
Neste mês dedicado à mulher, a senhora participou também do Mutirão de Cirurgias para Reconstrução Mamária. Poderia nos explicar a importância da iniciativa para as mulheres que enfrentam o problema? 
 
Quando o diagnóstico não é feito precocemente e há uma doença em estágio avançado, a mutilação  é, infelizmente, consequência do tratamento.  Muitas vezes não se retira só o tumor, é necessário retirar a mama, os gânglios localizados nas axilas e a lesão acaba se tornando mais grave. Então, a reconstituição da mama para a mulher que passou por esse procedimento é de extrema importância. A mama é o fenótipo da mulher, representa o perfil dela. Quando a menina se transforma em mulher, a primeira mudança é o aparecimento das mamas, vem até antes da primeira menstruação. Quando a mulher engravida, as mamas representam a fonte de alimento para o seu filho. Então, perder a mama por uma patologia como o câncer é retirar um pouco da identidade feminina e sexual das mulheres.
 
Anteriormente, como médica, a senhora estava na linha de frente do atendimento à população. Como primeira-dama, a sua atuação é bem mais ampla sendo possível também ser gestora de políticas públicas. Poderia comentar sobre essa mudança?
 
Na minha atuação como médica, consigo atingir e promover saúde para uma população limitada. Eu não posso atender a todo o DF. Como primeira-dama, a minha atuação é muito mais ampla porque não atendo somente à população da minha área de abrangência, realizo ações públicas para toda a população. A mudança é um pouco isso e, pessoalmente, a minha prática foi sempre a questão do atendimento, de estar ali na ponta. No entanto, esta visão que eu tenho das dificuldades e dos entraves servem de experiência para o papel de gestora. Existe a possibilidade de indicar possíveis soluções quando sei que algo não funciona bem de determinada maneira. No entanto, como gestora, também consigo ver quais são as dificuldades que o governo tem em fazer com que as políticas que são pensadas saiam do papel e cumpram os efeitos esperados.
 
Sabemos que a senhora tem uma participação ativa à frente do Comitê Intersetorial de Mulheres. Como funciona a articulação com as secretarias e administrações regionais do DF para identificar as principais necessidades da população?
 
Como ginecologista, sempre estive acostumada com a função de produzir. Como primeira-dama, meu papel é de ser pensante. Depois que me vi nessa nova situação, comecei a pensar em como poderia contribuir para as políticas de governo. Nessa mesma época, participei de um congresso em que cada primeira-dama, de estado ou de município, era convidada a dar contribuições. Achei um belo projeto e resolvi implantar aqui também. Convidei as secretárias de estado, as administradoras e as primeiras-damas das administrações regionais e, assim, criamos o Comitê Intersetorial de Mulheres. De início, trabalhamos, dentre outros aspectos, como poderíamos divulgar a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama entre as mulheres. Na última reunião, abordamos a educação, sobretudo a participação de todas para o sucesso do programa DF Alfabetizado. Discutimos também o programa DF sem Miséria e as atividades previstas para o mês da mulher.  
 
Como a senhora avalia o programa DF Alfabetizado?
 
A ideia do governador de erradicar o analfabetismo de letras é maravilhosa. No DF existem 65 mil pessoas que não estão alfabetizadas e, a maioria dessas pessoas, vive em áreas de vulnerabilidade. Estamos trabalhando o programa desde o ano passado, junto com a Secretaria de Educação. As aulas começaram neste ano, no dia 7 de março, e temos a meta de alfabetizar 10 mil alunos só em 2012. Já conseguimos montar 70 turmas e a ideia é que, neste ano, montemos 500. O propósito do programa não é apenas que a pessoa se alfabetize, mas que dê continuidade aos estudos, comece um curso regular, se profissionalize e possa exercer dignamente uma atividade profissional.
 
E no DF sem Miséria, como é a atuação?
 
A proposta do DF sem Miséria é buscar aquelas pessoas que estão na linha da pobreza extrema e que não têm os direitos básicos da alimentação, da educação e da segurança. Já foi feito um cadastro, mas ainda há pessoas não cadastradas e que precisam da ajuda do governo para mudar tão cruel realidade. Não existe só a desigualdade de renda. Há ainda a desigualdade social de acesso à escola, à saúde, à segurança, ao alimento. Queremos diminuir essa diferença. 
 
 A senhora, diferente de boa parte das primeiras-damas que se dedicam à assistência social, é bastante atuante em várias outras áreas do governo, como a Saúde e a Educação. Existe alguma outra área, ou projeto que a senhora pense em atuar?
 
Acho que a Sedest (Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda) já está desempenhando bem o papel de assistência social. Minha atuação é mais ampla. Costumo participar das reuniões com os secretários de Estado. Assim, acompanho o que está sendo desenvolvido por eles e sempre encontro um ponto que desperta o meu interesse. Depois, procuro saber como está funcionando e como posso ajudar naquela área. Tenho trabalhado muito em parceria com a Secretaria da Mulher.  Até por ser ginecologista, me identifico muito com a questão de gênero. Tenho também preocupação com a população idosa. Junto com o secretário da pasta, tento sair daquela mesmice de apenas levar os idosos para baile. Quero inserir o idoso na luta pelos direitos que ele tem. Temos de lembrar que muitos idosos de hoje foram reprimidos na época da ditadura e não estão habituados a lutar pelos seus direitos. Conversando com servidores da Defensoria Pública do Idoso, fui informada que, na maioria dos casos de violência, eles são vítimas da própria família. Assim, sentem dificuldades em denunciar filhos e netos. Dessa forma, algumas pessoas da família acabam se apoderando dos bens, da aposentadoria ou da verba que os idosos recebem do governo, e eles se sentem abandonados. É nessa hora que o governo tem de trabalhar para que o idoso saiba reconhecer e lutar pelos seus direitos. São nessas linhas que eu tento atuar. 
 
Aproveitando que a senhora abordou a violência, como está a questão da notificação de violência feita pelos médicos nos hospitais?
 
A notificação de violência já avançou bastante. Antes havia uma compreensão de que a partir do momento que se notificasse um caso de violência, seria gerado um processo e o profissional de saúde seria chamado para testemunhar. Havia o medo, por parte dos médicos e servidores, de receber até ameaças do agressor. Porém, a notificação é feita como um documento da rede de Saúde, é encaminhado com a assinatura do diretor da regional. Ou seja, não há motivos para que haja esse temor por parte dos servidores. Por isso, o entendimento das pessoas já começou a mudar. Agora, há a compreensão de que a notificação serve para se ter um diagnóstico do tipo de violência praticada, do local em que ela ocorre e de quem é o agressor. Esses dados servem para desenvolver políticas efetivas sobre o combate à violência, especialmente a praticada contra a mulher. O papel de denunciar deve ser de todos os profissionais de saúde, desde aquele que atende a paciente na porta do hospital, passando pelo profissional que mede a pressão, do que leva para o consultório e do médico que passa a acompanhar essa mulher.
 
Como médica obstetra, ginecologista, que já atendeu a tantas pacientes na rede pública, gostaria que a senhora falasse sobre a importância da prevenção na saúde feminina.
 
Quando falamos da área de saúde, a prevenção é a maneira mais barata e a melhor forma de manter-se saudável. Para a mulher, as consultas e exames preventivos são fundamentais, como no caso do câncer de colo de útero. Eles são importantes para que não se chegue a um diagnóstico de uma doença que já está instalada e o tratamento caminhe para uma ação mutiladora. Porém, a prevenção também tem outro lado.  Às vezes as pessoas questionam porque o governo está construindo um Ponto de Encontro Comunitário (PEC), quando o dinheiro gasto nessa obra poderia estar sendo investido na saúde. O conceito que a população tem de saúde é de trata-la como uma doença. Mas, a partir do momento em que o cidadão sai da sua casa e encontra outras pessoas, ele vai ter a sua saúde mental melhorada. Portanto, os PECs também são promovedores de saúde. Quando alguém faz um exercício, está tratando da saúde física, movimentando o coração, a respiração, os músculos e, assim, prevenindo várias doenças como hipertensão, diabetes e osteoporose. No entanto, ninguém vê aquilo como uma ação de saúde. Para muitos, uma ação de saúde é, normalmente, construir um hospital. Então, a prevenção na saúde feminina é fazer com que a mulher perceba que ações de esporte, lazer e cultura, por exemplo, servem para que ela fique bem e não precise ir ao hospital. Lá, na maior parte dos casos, ela deve ir quando há um problema já instalado e é necessário tratamento.