23/06/2012 às 20:18

Noite de São João

Tradição milenar é difundida por todo o Distrito Federal, com música, dança, brincadeiras e comidas típicas. “Arraiás” geram também oportunidades de negócios

Por Suzano Almeida, da Agência Brasília


. Foto: Pedro Ventura

Sanfona, fogueira, bandeirinhas, correio elegante e maçã-do-amor. Hoje (23) é noite de São João e, no Distrito Federal, inúmeras festas unem diversão e guloseimas, em uma tradição cultural que se sobrepõe à origem religiosa da comemoração. A festa, trazida para o Brasil pelos colonizadores portugueses, tem origem na Europa, durante a transição da Idade Antiga para a Medieval, com o início da expansão da fé cristã pelo mundo.

Marcada pelas quadrilhas e o tom regionalista no Brasil, as festas de São João foram à forma que cristãos encontraram para expandir sua crença, quando o cristianismo passou a ser a religião oficial do Império Romano, entre os séculos III e V. A escolha da data não foi um acaso do calendário. A época marca a mudança de estação, da primavera para o verão no Hemisfério Norte. Na Antiguidade, era motivo de adoração a deuses das religiões politeístas.

Grupo de Ceilândia ensaia apresentação para a noite de São João. Foto: Pedro Ventura/Agência BrasíliaPara o professor de história da Universidade de Brasília (UnB) Jaime de Almeida, a figura de São João, que, segundo com a Bíblia, era primo de Jesus Cristo, foi atrelada à data pela importância que ele tem para o cristianismo. De acordo com o professor, especialista em tradições culturais, a origem das fogueiras nas festas juninas, por exemplo, teria surgido de um conto cristão que sugere que Isabel, mãe de João e prima de Maria, mãe de Jesus, teria feito uma fogueira para, a partir de um sinal de fumaça, avisar aos parentes mais distantes sobre sua gravidez milagrosa. Isabel era estéril e de idade avançada.

“Foi daí que surgiu a tradição de se fazer fogueiras durante a celebração da data dedicada a São João Batista. Também foi nessa ocasião que surgiram os batizados de fogo, onde os vizinhos se tornavam compadres e padrinhos de fogueira”, detalha o professor Jaime de Almeida.

A expansão religiosa chegou a Portugal e lá recebeu as características que foram trazidas para o Brasil durante a colonização. O historiador explica que, na Península Ibérica, a festa era uma oportunidade para “colonizar religiosamente” os não cristãos. Na colônia americana, o objetivo era o mesmo: catequizar os indígenas.

As festas eram celebradas com maior frequência em áreas rurais do Brasil colônia. Somente com o desenvolvimento econômico do império, que resultou no êxodo rural a partir do século XIX, os festejos se tornaram comuns nas regiões urbanas. Foi na cidade que surgiu o hábito de parodiar a vida no campo. “Usar fantasia de caipira era um tipo de evocação nostálgica da origem da festa. Não acredito que tenha surgido como forma pejorativa”, avalia o professor de história da UnB.

Jaime de Almeida lembra que, desde a década de 1920, o Brasil passou por um período de reforço do nacionalismo e de seu folclore. Com isso, além dos compromissos cívicos, as instituições de ensino tiveram de aprofundar o conhecimento dos alunos em tradições nacionais e, para isso as crianças eram os principais alvos. Daí a tradição da festa ser levada para os pátios das escolas.

Hugo Soares e Talita Nobre. Foto: Pedro Ventura/Agência BrasíliaFestas no DF – As competições entre quadrilhas de São João movimentam centenas de participantes em todo o Distrito Federal. Junto com eles, milhares de espectadores, que vão às festas para torcer por seus grupos prediletos e admirar a beleza das coreografias cada vez mais profissionalizadas.

Em Ceilândia, 30 jovens se reúnem todos os anos para apresentações na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na região sul da cidade. Eles se caracterizam com trajes regionais e transformam em espetáculo a festa, que, como não poderia deixar de ser, conta com barraquinhas de comidas típicas.

Hugo Soares Barbosa é o puxador do grupo. “Dependemos muito do compromisso de cada um. Meu papel é animar quem está dançando, organizar a quadrilha e ainda animar o público que vem para assistir”, afirma. Ele participa das festividades há 15 anos e percebe a evolução das festas e de seu trabalho. “Hoje colocamos passos diferentes. Às vezes improvisamos passos até de funk”.

Normalmente Hugo puxa quadrilha por dois dias seguidos. No primeiro, os pares são formados no modelo tradicional, já no segundo os homens se caracterizam de mulheres e as mulheres de homens. Para ele, é uma forma de descontrair a festa.

Para o ano que vem, a meta do puxador é ampliar o número de participantes e se aproximar do trabalho feito por grupos profissionais, que vão desde coreografias mais elaboradas até roupas mais vistosas.

Talita Almeida Pereira Nobre, co-organizadora do grupo, afirma que as danças e as características da festa foram adaptadas com a aceitação de outras músicas e brincadeiras, exatamente para atrair mais jovens. Ela acredita que, mesmo com as mudanças, esta é uma forma de manter as tradições de seus avós.

“A quadrilha é o principal da festa junina. Muitas pessoas vão só para assistir as danças. Assim que a apresentação acaba, elas começam a ir para casa”, diz Talita Nobre.

Festa Junina na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto. Foto: Arquivo Público do DF/23-06-1964Tradição local – Apesar do perfil cosmopolita, é comum nesta época a população do Distrito Federal festejar. Isso ocorre desde a época da construção de Brasília, que atraiu para o Planalto Central pessoas de todas as partes do país. Igrejas, clubes e escolas são grandes difusores, mas professor Jaime de Almeida acredita que os núcleos familiar e escolar são fundamentais para a transmissão dos hábitos culturais de uma geração para outra.

As igrejas, especialmente Católicas, aproveitam a data para realizar as festas religiosas e suas quermesses, não perdendo de vista o objetivo de atrair novos fiéis, principalmente os mais jovens. Já os clubes aproveitam a data para a realização de eventos maiores, normalmente misturando as características originais ao modismo de cada ano. A capital oferece espaço para todas elas: desde os festejos nas quadras até grandes shows, como o Maior São João do Cerrado.

Ao se consolidar como um evento popular para além do caotolicismo, o historiador acredita que há uma tendência de algumas igrejas protestantes celebrarem a data, com as devidas adaptações decorrentes dos dogmas religiosos. O motivo visto para esse fato pelo professor é a flexibilização que começam a surgir nas igrejas, ainda com o objetivo de converter mais pessoas.

Novos negócios – Nós últimos anos algumas características das tradicionais festas juninas têm sido substituídas pela cultura country – de origem rural estadunidense. Essas mudanças, inclusive, têm mudado a forma de se comportar nas festas realizadas por todo o país. A principal influência para essas mudanças são as chamadas festas de peão e ao agronegócio, que envolvem muito dinheiro, montarias e rodeios, muito comuns nos Estados Unidos e que atraem para o circuito brasileiro norte-americanos e sua cultura.

“São novos tempos. A cultura está aberta as inovações e essas mudanças fazem parte da força do agronegócio, especialmente na região centro-sul do país, onde a movimentação de gados de raça e da soja tem grande influência na cultura” diz o pesquisador Jaime de Almeida, concluindo: “Não é mais a festa do Jeca”.


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