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31/10/2017 às 19:51, atualizado em 01/11/2017 às 14:45
A publicação é resultado da palestra feita pela secretária Leany Lemos, em junho, na conferência Desafios de Governo 2017 (Challenges of Government Conference), na Inglaterra
A revista da Escola de Governo de Oxford (Oxford Government Review) publicou, em sua última edição, a de outubro, artigo da secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal, Leany Lemos. A publicação aborda o conjunto de políticas públicas do governo de Brasília, que acaba de ser guindada à Rede de Cidades Criativas da Unesco.
O artigo é resultado da palestra feita por Leany, em junho, na Conferência Desafios de Governo 2017 (Challenges of Government Conference), na Inglaterra. O encontro é uma agenda anual da Blavatnik School of Government, departamento da renomada universidade inglesa, e reúne entre 300 e 400 líderes, pesquisadores e executivos de mais de 60 países.
Acertos em Política Pública
*Leany Barreiro Lemos
Brasília é a cidade arquetípica do modernismo planejada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer no final dos anos 50. Planejada para ser uma cidade administrativa de 500 mil habitantes, seu plano urbanístico foi projetado para refletir uma utopia igualitária. Quase 60 anos depois, Brasília tem uma população de 3 milhões de pessoas – 4,2 milhões se considerarmos sua área metropolitana –, a renda per capita mais alta (em torno de US$ 21 milhões por ano) e o pior Índice de Gini (que mede a distribuição da riqueza) do país. Possui o melhor acesso a infraestruturas (água, energia elétrica, esgoto, internet), enquanto o programa de saúde básica atingiu somente 20% da população em 2014, fazendo com que as salas de emergência estejam constantemente lotadas. De um eleitorado de 2 milhões, 20% nunca frequentaram a escola ou não concluíram o ensino fundamental, enquanto 24% possuem educação superior. Rica e pobre, Brasília necessita de investimento em áreas críticas.
Se envolver e responder de maneira satisfatória a uma sociedade com diferenças socioeconômicas tão acentuadas é um grande desafio para qualquer governo. Adicionemos, contudo, complexidade ao cenário. É de notório saber que as pressões sociais na entrega de serviços públicos estão aumentando. O Brasil atravessou sua própria “primavera” em junho de 2013, quando milhões de cidadãos foram às ruas demonstrar uma forte indignação com o governo. Ademais, o Brasil atravessa crises políticas e econômicas sem precedentes – de um lado, escândalos de corrupção e um impeachment presidencial; do outro, enfrentando desde 2015 a pior recessão de sua história. A queda nos rendimentos representa um sério fator impeditivo ao investimento.
Então esse é o cenário – uma sociedade heterogênea com todos os tipos de necessidades, extremamente insatisfeita e mobilizada, em um momento de crises e disputas sobre a legitimidade de agentes políticos e instituições. A pergunta é: como fazer entregas sob essas condições e sob pressão de interesses diferentes (e legítimos)?
No Brasil, os candidatos devem registrar seus planos de governo antes das eleições. Como candidato, o hoje governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg produziu um plano robusto para reconstruir a sociedade. A proposta de 90 páginas baseava-se em 3 princípios: a) participação social – quatro seminários foram realizados em diferentes áreas da cidade, e contaram com a participação e contribuição de 1.616 pessoas; b) dados robustos – uma base de dados foi construída com micro dados de diversos órgãos estatísticos e especialistas foram entrevistados; e c) um método – uma árvore de problemas foi utilizada para identificar relações causais de problemas e traçar objetivos. O resultado foi um plano com 467 compromissos divididos em três eixos: Cidade, Cidadão, Cidadania, que comportavam 14 áreas temáticas.
Após a vitória de Rollemberg com 55% dos votos válidos, a coleta de informações e o diálogo social continuou. Durante o período transitório de três meses, uma equipe preparou uma matriz de risco, uma vez que a situação fiscal da cidade era extremamente ruim, e vários serviços foram interrompidos. Já durante a posse, foi anunciado um plano de 120 dias para recuperação, executado paralelamente a uma agenda positiva. Era necessário negociar com grevistas e empresários, acelerar licitações e reduzir o impacto das várias crises, bem como entregar resultados.
[Olho texto='”No caso de Brasília, para a construção do plano foi essencial entender a sociedade, estratégia e capacidade governamental. Foi vital priorizar demandas e cuidar não somente das mais urgentes, mas também daquelas responsáveis pelo bem-estar coletivo. A entrega de boas políticas públicas é possível, mas somente com trabalho árduo e com um comprometimento forte e constante com a cidadania”‘ assinatura=”Leany Lemos, secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do DF” esquerda_direita_centro=”esquerda”]
Possuir uma estratégia foi crucial. A primeira reunião de secretários abordou a construção do plano estratégico utilizando a metodologia Balanced Scorecard e o plano de governo legitimado pela eleição. Em menos de 60 dias, o gabinete validou um mapa estratégico com três fundamentos: redução da desigualdade, transformar Brasília em um modelo de desenvolvimento sustentável e reconquistar a confiança no Estado. 17 objetivos e 252 indicadores foram instituídos. Um modelo de gestão for institucionalizado, contendo o mapa, Acordos de Resultados anuais com cada secretaria, e reuniões regulares com o governador para avaliar seu desenvolvimento e a estratégia. Toda essa informação – mapa, acordos, indicadores – é alimentada em um sistema. Também estabelecemos, sob a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, uma equipe dedicada ao monitoramento e suporte. Também coordena uma equipe de 50 especialistas, um em cada agência ou órgão, responsável por monitorar seu acordo de resultados e atualizar o sistema. Esses 50 têm recebido suporte e treinamento metodológico constante. Após um ano, foi criado um Escritório de Projetos no gabinete do governador com a incumbência de administrar projetos com prioridade máxima.
Em três anos, houve 69 acordos, com um total de 1.591 entregas, e a taxa de sucesso tem ficado acima dos 50%. 64% dos acordos planejados foram entregues ou encontram-se em execução. Temos obtido bons resultados apesar das crises econômicas, precisamente por conta de uma clara identificação dos problemas e por uma estratégia que possibilitou com que nos concentrássemos nos temas mais importantes. A chave para atingirmos os objetivos foi uma combinação de capacidade, metodologia, recursos humanos capacitados e comprometidos, tecnologia e liderança.
O governo reavaliou várias de suas políticas. O governador mesmo tem um programa chamado “rodas de conversa”, encontros informais com centenas de pessoas em ginásios, escolas e tendas. Nos dois primeiros anos, 5.700 pessoas participarem.
Na Secretaria de Planejamento, nós desenvolvemos reuniões locais para o Plano Plurianual, chamadas de “voz ativa”. Além disso, todos os anos, na época de propor a legislação orçamentária, nós realizamos um encontro e abrimos os canais de mídias sociais para contribuições durante 30 dias. Com isso, em 2 anos obtivemos 1.870 contribuições.
Existem ainda pelo menos mais duas maneiras de se manter conectado. O primeiro é o ouvidor. Os cidadãos podem utilizar um call center ou plataformas online para registrar reclamações ou sugestões a qualquer momento. Esse sistema acabou de receber uma premiação de Inovação pela Escola Nacional de Administração Pública. Em segundo lugar, realizamos pesquisas constantes sobre serviços públicos, as quais são utilizadas para melhorar a qualidade das entregas.
Devolver ao povo é um exercício democrático importante, mas possui seus desafios. De um lado, por vezes as demandas não possuem tangibilidade (“saúde melhor”) ou sustentabilidade (“um hospital na minha região”, quando estudos epidemiológicos não o justificam). De outro, o problema da ação coletiva de Mancur Olson aparece com frequência: grupos organizados possuem mais recursos e ganham mais, enquanto os cidadãos desorganizados, que por vezes são mais carentes, ganham menos. Além do mais, os bens públicos, que são por natureza não-excludentes e não-rivais, podem não ser providos por conta de uma mentalidade de parasitismo.
O primeiro tipo é “eu quero, eu consigo”. Os cidadãos recebem a política pública exatamente como a exigiram. Um exemplo é “mais creches”. 16 novas creches para crianças de até 3 anos foram construídas, priorizando famílias economicamente vulneráveis. Isso permitiu a matrícula de mais de 2.000 crianças. Além disso, estamos comprando vagas em creches sem fins lucrativo, permitindo 18.000 novos registros de crianças de 4 e 5 anos, o que representa 100% da demanda.
O segundo tipo é “eu quero, eu consigo algo diferente”. Cidadãos requerem uma política pública (“mais hospitais”), mas o pedido é reinterpretado (“melhor prevenção e atenção à saúde básica”). Neste caso, embora estejamos construindo um hospital infantil com capacidade para 220 leitos, a principal política é aumentar a cobertura da Estratégia de Saúde Familiar (equipes multiprofissionais que visitam famílias na comunidade) de 30% para 55% em 2 anos.
O terceiro tipo é “eu não pedi, mas consigo”. Está diretamente relacionado ao dilema da não-oferta de bens públicos. Os cidadãos raramente demandam ar puro ou água tratada e limpa. Contudo, algumas ações são extremamente importantes para evitar desastres.
Há dois exemplos de políticas não-demandadas mas atendidas. Primeiramente, a desativação de um lixão que funcionava há 60 anos, causando problemas ambientais e sociais. Um novo aterro foi inaugurado no dia 17 de janeiro de 2017, destinado a receber 27 milhões de toneladas de lixo produzido anualmente em Brasília. Outro exemplo é a construção do sistema de produção de água do Corumbá, que irá garantir o abastecimento de água por 30 anos. Apesar de não terem sido demandados, ambos figuraram como cruciais no plano desenhado a partir de dados – se essas iniciativas não fossem entregues, isso afetaria a segurança ambiental e hídrica da cidade por décadas, um enorme perigo.
Alcançar a população não é tarefa fácil. Quem estará ouvindo? Com que frequência? Até que ponto? Igualmente difícil é traduzir palavras em políticas públicas que cumprem com os critérios de justiça, especialmente quando operamos sob limitações políticas, econômicas ou técnicas. No caso de Brasília, para a construção do plano foi essencial entender a sociedade, estratégia e capacidade governamental. Foi vital priorizar demandas e cuidar não somente das mais urgentes, mas também daquelas responsáveis pelo bem-estar coletivo. A entrega de boas políticas públicas é possível, mas somente com trabalho árduo e com um comprometimento forte e constante com a cidadania.
*Leany Barreiro de Sousa Lemos é Secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão de Brasília.