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18/07/2019 às 19:08, atualizado em 19/07/2019 às 15:58
Vindas do interior ou de grandes capitais do Brasil, as pioneiras desempenharam funções fundamentais para a formação da cidade
Quando saíram do aconchego de suas casas, Marilda Porto, aos 18 anos, e Elvira Barney, aos 22 anos, não sabiam o que enfrentariam na construção de uma cidade em meio ao cerrado. Poeira, mato, desconforto e solidão eram alguns dos desafios que cercavam as pioneiras de Brasília. Apesar das dificuldades, as recém-casadas e muitas outras mulheres não deixaram o desafio de ficar e ajudar na fundação da nova capital do Brasil, inaugurada em 1960.
Marilda, 80 anos, desembarcou em Brasília em 1958. Nascida em Rio Verde, Goiás, ela afirma que não se importou com a “poeira barrenta” que estava por toda parte da cidade. “Eu tenho uma impressão totalmente diferente das pessoas que vem de um centro maior. Nasci e fui criada no interior, então eu não me incomodei porque já era acostumada. O Juscelino [Kubitschek] estava trazendo desenvolvimento para o interior do país e olha o que o Brasil virou a partir disso”, justifica.
Ela foi casada durante 60 anos com Edson Porto, primeiro médico a fazer atendimento na nova capital da República. Ele faleceu em setembro do ano passado aos 86 anos devido a um câncer no pulmão. Junto com o pediatra, Marilda teve cinco filhos, 12 netos e dois bisnetos. “Nos conhecemos em uma festa em Goiânia. Aqui não tinha mulheres, só operários. Nos casamos após dez meses de namoro”, lembra.
Como a casa que moravam era perto do hospital, a pioneira conta que tinha acesso a água e luz e que fazia questão de ajudar e dividir com quem não tinha acesso às necessidades básicas. Conhecida como primeira dama pelos operários, Marilda acompanhava Edson nos plantões. “Eu ia ficar sozinha? Lá tinham duas camas, entrava e saia enfermeira, mas eu não me importava e continuava dormindo”, recorda-se aos risos.
[Numeralha titulo_grande=”1958″ texto=”É o ano que Marilda Porto mudou-se para o que seria a nova capital” esquerda_direita_centro=”esquerda”]
Entre tantas histórias que marcaram a vida de Marilda, a pioneira não esconde a emoção ao falar da trágica morte de uma médica, que era querida por todos os moradores. “Fazíamos piqueniques em volta de um dos rios da cidade, pois o Lago Paranoá ainda não existia. Ela não sabia que estava grávida, teve uma tontura, bateu a cabeça na pedra e acabou sendo levada pela água”, lamenta.
Por conta de tantos acontecimentos significativos, a pioneira acredita que amadureceu muito rápido. “Com 18 anos já tinha visto de tudo no hospital. Chegavam pessoas queimadas, com pernas que precisavam ser amputadas. Eu acho que foi bom para a minha vida. Eu não tenho medo de nada hoje em dia”, garante.
Marilda acredita que estava predestinada a vir para a capital, pois no dia do aniversário dela, 18 de fevereiro, foi assinada a escritura de transferência da região de Brasília para a União. “Meu padrinho, que era senador na época, foi um dos que assinou o documento, enquanto eu não imaginava que isso estava acontecendo. Não tínhamos televisão, jornal”.
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Diferentemente de Marilda, Elvira Barney, 80 anos, teve que criar coragem para contar a família e aos amigos que sairia do Rio de Janeiro para morar em Brasília. “Foi uma aventura, pois eu tinha apenas dez dias de casada. As pessoas achavam que eu era louca, mas eu tive uma surpresa enorme quando cheguei aqui: tinha até lago”, conta aos risos.
Ela é casada com César Barney desde 1961, um dos arquitetos que ajudou na construção da nova capital do Brasil. Ele é colombiano e estava terminando o curso nos Estados Unidos quando foi convidado para participar do projeto de Juscelino Kubitschek. Os dois tiveram três filhos e três netos.
A decoradora lembra que mesmo após um ano da inauguração, Brasília tinha praticamente só terra. “Fomos um dos primeiros moradores do Lago Sul. Naquela época tinham quatro ou cinco casas de ministros”. Após conseguirem construir uma residência, o casal ofereceu um jantar para o embaixador da Colômbia. Na véspera do evento um tigre, cujo o nome era Gilberto, escapou do zoológico e se “acampou” nas redondezas da região.
“Metade do [Palácio do] Itamaraty e embaixadores estavam lá. Tinham bombeiros na minha porta e guardas caçando Gilberto porque ao redor da minha casa não tinha sequer uma cerca. Graças a Deus foi tudo um sucesso. Até às 3h da manhã tinha gente dançando”, disse aliviada.
Cerca de quatro anos depois, após começar a ter filhos, veio o desespero. “No Rio de Janeiro tinha tudo e aqui nada. Quando eu tinha que fazer compras tinha que ir até Goiânia. Não conhecia os pediatras daqui. Me deu vontade de voltar para o Rio de Janeiro, mas foi momentâneo”, garante.
Segundo a coordenadora do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam), Tânia Fontenele, a grande maioria das mulheres vieram para Brasília acompanhar os maridos. “As condições eram precárias. A cidade estava sendo construída e não tinha urbanismo, então os acampamentos eram de madeira, muitos moradores não tinham acesso a água e luz”, explica.
A também cineasta lembra que as mulheres daquela época eram voltadas para as questões do lar e que algumas delas, especialmente as que eram casadas com trabalhadores da classe operária, sentiam na pele a solidão. Para Marilda Porto esse sentimento não existiu.
“Formamos uma família com todos os funcionários que vieram de várias partes do país. No dia da inauguração de Brasília não fomos no Palácio [do Planalto] dançar. Não tínhamos condições de mandar fazer um vestido. Comemoramos no nosso ‘barraquinho’, cantando, tocando”, enaltece.
[Olho texto=”No dia da inauguração de Brasília não fomos no Palácio (do Planalto) dançar. Não tínhamos condições de mandar fazer um vestido. Comemoramos no nosso barraquinho, cantando, tocando” assinatura=”Marilda Porto ” esquerda_direita_centro=”direita”]
Elvira Barney concorda com Marilda. “Havia uma grande cordialidade e entrosamento. Uma ajudava a outra. Se tinha uma festa você não precisava convidar muita gente porque um chamava o outro e ninguém se incomodava. Todo mundo era sozinho e não tinha nada para fazer”.
Pesquisadora das memórias femininas da construção de Brasília, Navarro destaca que o papel das mulheres foi menosprezado pela história ao longo do tempo. “Isso ocorre devido a construção social que vivemos até hoje. No final da década de 50 quase não era permitido mulheres ocuparem espaços públicos, trabalharem”, comenta.
Ela cita a trajetória de Mercedes Parada, desenhista que veio do interior de Goiás acompanhar o marido, o engenheiro Joffre Parada. “Ela participou diretamente na elaboração dos mapas de Brasília, mas nos registros foi esquecida. É uma injustiça histórica”, constata.
A coordenadora do Ipam ressalta que as pioneiras de Brasília estavam muito à frente de seu tempo e que foram essenciais no processo de construção da nova capital da República. “Foram desprendidas ao aceitaram o desafio de vir para uma cidade que ainda estava sendo construída. O apoio delas aos trabalhadores foi fundamental para que sobrevivessem em um local que não tinha conforto, lazer. Geralmente todos vinham de regiões pequenas das quais todos conheciam vizinhos e aqui tiveram que construir as relações com o tempo”.