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13/09/2019 às 13:45, atualizado em 21/10/2019 às 12:23
Em entrevista à Agência Brasília, a psiquiatra da Diretoria de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do DF fala sobre sinais de alerta, caminhos para tratamento e onde buscar ajuda
“Prevenção ao suicídio tem que ser o ano inteiro. Não pode ser só uma fitinha amarela no mês de setembro”, alerta Fernanda Benquerer, psiquiatra da Diretoria de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Referência técnica no tema, a médica esclarece que a campanha Setembro Amarelo concentra ações, mas a atenção e os cuidados com a saúde mental precisam ser diários.
O Dia Mundial de Prevenção do Suicídio é lembrado em 10 de setembro e foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com a Associação Internacional de Prevenção do Suicídio (Iasp). A data tem objetivo de trazer uma discussão maior sobre o tema e promover capacitação, conscientização e sensibilização para identificar os fatores de risco para o suicídio.
Durante todo o mês, ações são concentradas como parte da campanha do Setembro Amarelo, uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e do Conselho Federal de Medicina (CFM).
À Agência Brasília, a psiquiatra fala sobre sinais de alerta, caminhos para tratamento e onde buscar ajuda no serviço público de saúde da capital. Além disso, ela detalha a Política Distrital de Prevenção ao Suicídio, conforme publicado no início do mês no Diário Oficial do DF.
Segundo a pasta, até 1º de agosto deste ano, foram notificadas 78 mortes por suicídio na capital, sendo 57 homens e 21 mulheres. A faixa etária de maior prevalência foi entre 20 e 29 anos de idade, com 20 óbitos; em seguida, pessoas entre 30 e 39 anos (14 mortes). Essa é a segunda maior causa de mortes no mundo.
A OMS aponta que a depressão, um dos fatores de risco do suicídio, atinge 7% da população mundial. São cerca de 400 milhões de pessoas. O que chama atenção para esse tipo de doença?
A depressão é um dos transtornos de humor. Não é a única coisa que acontece, mas é um humor rebaixado, reprimido. A pessoa perde a vontade de fazer coisas que ela fazia antes. Junto a esses dois sintomas centrais, vários outros acompanham, como alteração do sono, do apetite, da memória, da concentração. A pessoa pode ficar mais agitada ou mais lenta. Pode ter pensamentos de morte, de suicídio, muito sentimento de culpa. Isso é uma descrição dos sintomas. Não diz das causas ou tratamento.
Os problemas de saúde mental, como a própria depressão, têm causa específica?
Nenhum transtorno mental tem causa única. É sempre uma junção de fatores genéticos e ambientais que interagem ao longo do tempo para aumentar ou diminuir a vulnerabilidade, como fatores genéticos, biológicos, de criação e história de vida, associado a eventos recentes desencadeantes.
Como um amigo ou familiar pode identificar casos de risco? O que ele deve fazer?
O mais importante é construir relacionamentos em que a comunicação seja aberta. São vínculos muitos honestos em que você consiga permitir que o familiar ou amigo possa se abrir e falar sobre os sentimentos – não só os ruins. Se você não tem intimidade com a pessoa e perguntar se ela está querendo se matar é extremamente invasivo. Se já constrói um ambiente de confiança, de abertura, a pessoa pode ficar a vontade de falar. Tem que poder perguntar também. O fato de perguntar não coloca a ideia na cabeça de uma pessoa que não esteja pensando nisso. Perguntar é dar espaço para a pessoa falar sobre o que está sentindo, aumenta a possibilidade de busca de ajuda e, consequentemente, diminui o risco.
Qual é o papel de canais como o Centro de Valorização da Vida (CVV)?
O CVV é uma ONG (organização não-governamental) formada por voluntários treinados, então não são profissionais de saúde e não é tratamento. Mas eles são muito bem treinados e acompanhados para fazer uma escuta qualificada. Eles estão muito disponíveis, inclusive 24 horas por dia, sete dias por semana, com vários canais de atendimento. É um recurso que abre uma porta, mas não substitui tratamento. A pessoa chega em comportamento suicida dentro de um contexto de várias questões. O transtorno mental é fator de risco e o tratamento deve ser com profissionais qualificados: psicólogos e psiquiatras.
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Quais são os caminhos para tratar a saúde mental na rede pública de saúde do DF com esses profissionais?
Dentro das unidades básicas há toda a parte de atenção à saúde mental na Atenção Primária à Saúde. Esses serviços podem direcionar para os ambulatórios de especialidade que ficam nos hospitais ou policlínicas, já que é serviço secundário, ou encaminhar aos CAPs [unidades do Centro de Atenção Psicossocial], que prestam atendimento aos casos graves, persistentes e de longo prazo visando a ressocialização. Além disso, tem as portas da rede de urgência e emergência: UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], unidades de pronto-socorro dos hospitais gerais e o pronto-socorro psiquiátrico do Hospital São Vicente de Paula. Ainda temos os leitos para internação. Há leitos de saúde mental em todos os hospitais da rede, mas específicos de enfermaria em psiquiatria estão no Instituto Hospital de Base e no Hospital São Vicente de Paula.
Como funciona o fluxo de urgência e emergência no caso de uma tentativa de suicídio?
Tem que ligar para o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], que tem todo um fluxo de triagem e de direcionamento. Depende do método usado e da situação específica de cada paciente. Não só a tentativa como a forte ideação com planejamento são indicativos de urgência. Uma pessoa que está pensando suicídio é um paciente grave. Não necessariamente vai ser internado, mas necessariamente vai ter que ser ouvido, analisado. É preciso fazer avaliação ampla e especializada para entender aquele momento.
Nesse caso de planejamento é indicado chamar os serviços de urgência e emergência pelo 192 e 193?
É indicado procurar um serviço de saúde mental. Não marcar para o mês que vem, mas emergencialmente.
Qual é o procedimento para marcar uma consulta com especialista?
O encaminhamento está todo sendo regulado. Existe fila de espera para ambulatório, mas o CAP é porta aberta. A pessoa é acolhida de acordo com o dia.
Apesar das individualidades de cada paciente, há cuidados e desafios específicos por faixa etária?
Sim. A criança e o adolescente ainda estão em desenvolvimento, então tem características daquele momento de vida que muitas vezes se confundem. Com adolescente a gente diz que é normal a variação de humor, mas muitas vezes é manifestação de transtorno. Não é necessariamente normal o adolescente bater porta em casa, ficar trancado no quarto. Tem relação com momento de vida. Os fatores de risco do adolescente são diferente dos idosos.
O que a secretaria faz para que seja possível ter todos os profissionais da rede capacitados para receber e acolher esses pacientes?
Acabamos de aprovar o Plano Distrital de Prevenção ao Suicídio. É um trabalho que começou há sete anos e bem amplo para sistematizar as estratégias preventivas, orientar em relação ao que tem embasamento. Ele tem o eixo de prevenção que trabalha com a pessoa que não está adoecida com promoção à saúde, com o programa Saúde na Escola, com desenvolvimento de saúdes emocionais. Também tem a parte de tratamento, que é o que mais trabalhamos na saúde já que a pessoa chega em crise. Ainda há posvenção [intervenção dolorida, porém necessária], o trabalho com familiares e pessoas próximas de alguém que se matou. É um grupo de risco, o processo de luto tem características diferentes e precisa de cuidado especial. Há ainda o eixo de capacitação, que queremos trabalhar em todos os níveis para todos os profissionais. Temos oferecido treinamentos.
Quais são os prazos previstos nesse Plano Distrital de Prevenção ao Suicídio que acabou de sair no Diário Oficial do DF?
Ele é válido por quatro anos, de 2020 a 2023, com momento de reavaliação para ajustes. O grupo inicial era de servidores da saúde, É um plano amplo. Um avanço é a instituição de um Comitê Permanente de Prevenção ao Suicídio. Com isso, teremos várias pessoas de referência para executar as ações.
De que forma o tabu, silêncio, medo de falar e preconceito atrapalham a prevenção do suicídio?
Aumenta a resistência das pessoas em buscar ajuda em momento de crise. Como psiquiatra, recebo pessoas que estão em crise há um longo tempo, em estágio grave, às vezes depois de uma tentativa, quando poderíamos fazer muitas outras coisas antes de chegar nesse ponto. A pessoa resiste muito por receio de ser julgada, de ser rotulada, de ser tratada diferente no trabalho. As pessoas tem receio de apresentar no trabalho um atestado com CID F [Classificação Internacional de Doenças, relacionada a transtornos mentais e comportamentais]. O estigma é grande. Muitas vezes, quando apresenta, acha que vai deixar de ganhar promoção, vai ser deixado de lado, ser rotulado de doido. E a gente sabe que isso acontece mesmo.