17/10/2019 às 10:58, atualizado em 17/10/2019 às 15:03

Os primeiros passos de JK no Planalto Central

A visita à sede da fazenda Gama, uma edificação típica do fim do século 18, foi o marco para uma força-tarefa que resultaria na construção de Brasília

Por Emanuele Coelho, da Agência Brasília

Com citação de Juscelino Kubitschek, um marco do início da construção de Brasília está afixado no mural de azulejos em frente à sede da fazenda | Fotos: Joel Rodrigues / Agência Brasília

Corria o ano de 1956. Poucos dias depois de o presidente Juscelino Kubitschek sancionar a lei que criava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), um grupo de pioneiros chegou ao sítio Castanho, às margens do ribeirão do Gama, desbravando a mata e firmando as primeiras estacas da nova cidade.

Naquele mesmo ano, a bordo de um Douglas da FAB, o presidente JK desembarcou no aeroporto Vera Cruz, construído por Bernardo Sayão próximo ao Eixo Monumental no local que, muitos anos depois, daria lugar à Rodoferroviária. Pela primeira vez, pisou o solo do Planalto Central. Ele e sua comitiva chegaram à sede da fazenda Gama para conhecer as terras onde seria erguida a nova capital da República.

Vice-governador de Goiás à época, Bernardo Sayão recebeu o presidente JK no campo de pouso, onde foi realizada uma cerimônia durante a qual eles assinaram documentos e atos de nomeação. Em seguida, a comitiva presidencial foi conhecer o ponto mais alto da fazenda Bananal – atualmente, a Praça do Cruzeiro – e as terras da fazenda Gama, a cerca de 40 quilômetros de distância. Ali foi instalado o Núcleo Pioneiro.

Primeira caminhada

Na fazenda Gama, onde seria construída a residência provisória de JK, o grupo foi recebido pelo governador de Goiás, Juca Ludovico, e pelo governador da Bahia, Antônio Balbino, entre outras autoridades. A convite do presidente da Comissão de Cooperação para Mudança da Capital, Altamiro de Moura Pacheco, JK e o deputado Israel Pinheiro caminharam até a nascente d’água, a uns 200 metros da casa.

Ao retornarem do passeio, eles tomaram o café produzido na própria fazenda, servido por Zenaide Barbosa dos Santos, ao lado de quem posaram para uma foto histórica. Ao fim do dia, a comitiva presidencial voltou ao Rio de Janeiro, deixando, nas terras da fazenda Gama, o marco simbólico da transferência da capital da República para o Planalto Central.

Com mais de 160 hectares, a fazenda tinha como proprietário Agostinho de Almeida e Silva, herdeiro das famílias Roriz e Meireles, e foi uma das desapropriadas, em 1955, para dar origem ao Distrito Federal. “A partir dessa visita, JK decidiu que ali queria descansar e pernoitar durante a construção da nova capital; posteriormente, foi feita a demarcação de onde seria o Palácio do Catetinho”, conta a gerente do Museu do Catetinho, Artani Grangeiro.

Imagens dos anos 1950, como a que mostra o presidente JK tomando café servido por dona Zenaide Barbosa dos Santos (foto maior, junto à mesa e aos utensílios, também da época), servem aos visitantes a história viva do local

Casa velha

Localizado a cerca de 400 metros da fazenda, o museu foi a primeira edificação do período da construção de Brasília. “Ele [o museu] conta a história a partir de 1956”, pontua Artani. “Antes disso, ela é retratada na casa velha da fazenda Gama. Daí a importância dessa edificação”.

A construção é típica dos séculos 18 e 19, com traços arquitetônicos do período colonial brasileiro. A estrutura é de madeira, com vedações em adobe, enquanto as telhas de barro foram feitas em estilo francês. O prédio é um raro testemunho histórico dessa época que ainda resta.

Nos cômodos da antiga residência, onde hoje funciona o Museu Casa Sede da Fazenda Gama, é possível fazer uma viagem pelo tempo e “se transportar” para antes da construção da capital federal, passando pelas tradições culturais, religiosas e indígenas existentes na região à época.

Registros

No acervo, destaca-se a primeira foto de JK nas terras do Planalto Central, tomando café. Também há imagens de Guiomar de Arruda Câmara, membro da missão Cruls, que estudou e delimitou o quadradinho onde hoje é o Distrito Federal; e do maestro Tom Jobim com o poeta Vinícius de Moraes. Esses foram incumbidos por JK de escrever, em dez dias, uma peça clássica falando sobre a construção de Brasília e a bravura dos pioneiros que ergueram a cidade – nascia, assim, a Sinfonia da Alvorada.

No local há ainda outros registros importantes, como JK na nascente da fazenda onde foi construído o Catetinho. Também chamam atenção quadros e fotografias mostrando a simplicidade das famílias do interior goiano, além de objetos da época comuns aos quartos de solteiro e de casal, como bacia e jarra, mesa, baú, mala, armário, lamparina e o urinol, usado embaixo de uma cama rústica de madeira com estrado feito de couro bovino.

Utilizado exclusivamente no quarto de casal, o tecido de chita no teto amenizava os ruídos da intimidade e prevenia e entrada de insetos, aves e morcegos. Do lado de fora, destacam-se o mosaico de azulejos, representando o momento em que o presidente toma cafezinho servido por dona Zenaide, e o busto sobre as cinzas do médico Ernesto Silva, outro pioneiro que acompanhou a construção de Brasília.

Após a restauração, o mobiliário, o piso e as paredes da casa remetem aos tempos em que Brasília era um projeto a começar

Na edificação também funcionaram um escritório da Novacap que deu apoio à construção da nova casa do presidente, uma escola e uma sala de telecomunicações para contatos com o Rio de Janeiro. Ali estava instalada a rádio Farol da Panair Brasil, cujos serviços ajudavam a oferecer melhores condições ao tráfego aéreo.

A gerente do Museu do Catetinho, Artani Grangeiro: “A partir dessa visita, JK decidiu que ali queria descansar e pernoitar durante a construção da nova capital”

 

Revitalização

Primeira residência oficial do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o Museu do Catetinho, recém-restaurado e revitalizado, ganhará uma entrada para facilitar o deslocamento de moradores do DF e turistas. O Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER/DF) está construindo uma pista mais próxima para que os motoristas possam acessar o local pelo Brasília Country Club.

“Com o acordo de cooperação, pretendemos oferecer aos visitantes um panorama completo das origens do que depois veio a se tornar o Distrito Federal, desde o século 17 até a escolha do local e construção da nova capital”, explica o gerente do clube, Helder Aragão.  “Os dois museus contam histórias complementares. Nossa intenção é que as pessoas venham conhecer este patrimônio histórico e cultural de Brasília”.

Restauração

Em 2008, a casa-sede da fazenda Gama foi restaurada para visitação de turistas, mas muitos componentes ainda permanecem originais. Por lá ainda podem ser vistos parte do assoalho, alguns móveis, as panelas, o moinho, a torradeira de café, o bule, xícaras, canecas de esmalte, pratos e outros utensílios que estão na cozinha, além de uma parede de adobe – deixada para mostrar aos visitantes a rusticidade da construção.

Com recursos da Petrobras, a obra foi executada sob a supervisão do engenheiro Eduardo Cerqueira Pinto, a partir de um projeto dos arquitetos João Luiz Vallim Batelli e Vera Lúcia Braun Galvão.

Os trabalhos incluíram restauração e demolição de algumas paredes internas e o reforço em toda a estrutura da edificação, substituição do madeiramento do telhado, lavagem da telhas e aplicação de silicone, recuperação de parte do reboco, troca do assoalho, reconstituição do piso cimentado, construção de calçada em volta da casa, pintura das portas, janelas e portais na cor azul (original) e revisão das instalações hidráulicas e elétricas.

Com tanta história viva para contar, a casa-sede foi elevada à categoria de Patrimônio Tombado pelo Governo do Distrito Federal. No local, que faz parte da região atualmente demarcada como Setor de Mansões Park Way (SMPW), funciona o Brasília Country Club.

Museu Casa-Sede da Fazenda Gama

  • Visitação: de terça-feira a domingo, das 9h às 12 h e das 14h às 17h.  Entrada é gratuita.  Mais informações sobre as visitas podem ser obtidas pelo telefone (61) 3338.8563.