28/11/2019 às 09:54, atualizado em 28/11/2019 às 14:12

Toniquinho, o verdadeiro ‘pai de Brasília’ 

Antônio Soares Neto, que morreu quinta-feira (21) em Jataí (GO), foi determinante para o nascimento da cidade. Você sabe por quê?

Por Lúcio Flávio, Agência Brasília

Um clichê: ele foi o sujeito certo, na hora certa. E, com uma única pergunta mudou o rumo de uma nação, o destino de um homem. Seu nome? Antônio Soares Neto, o Toniquinho JK, que morreu na quinta-feira passada (21), na cidade goiana de Jataí. Mas você sabe quem foi Toniquinho?

Corta. Imagem em preto e branco. Jataí, Goiás, 4 de abril de 1955. Naquela manhã fria de uma segunda-feira, pesadas nuvens cinzas passeavam pelas cabeças das 12 mil almas que esperavam, ansiosas, pela chegada de um brasileiro ilustre. Mas a única coisa que se via e ouvia pelo céu da região era o som de trovões e relâmpagos.

De repente…

…Então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubistchek havia deixado o Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, havia cinco dias, para tentar um voo maior. O cargo mais importante do país, o de presidente da República. Para tanto, deu início a um périplo por todos os rincões do Brasil em busca de voto e apoio político. 

A primeira parada dessa cruzada rumo ao poder nacional seria no sudoeste goiano, na pequena cidade de Jataí. Na verdade, o primeiro encontro aconteceria em Rio Verde (GO), interrompido por forte tempestade.

Contam que Juscelino Kubistchek, então concorrendo ao pleito pelo Partido Social Democrático (PSD), escolheu Jataí por uma questão estratégica. O município goiano era o mais pessedista do país na época. Quase 100% de eleitores. E também porque Serafim de Carvalho, o chefe político local, era um amigo das antigas, desde os tempos do curso de medicina em BH.

De repente…

…Um avião cruza o horizonte da cidade. É um Douglas DC-3 trazendo o ex-governador furacão, como ficaria eternizado JK pela imprensa mineira. Juscelino desce do aeroplano com o sorriso largo e cativante – a sua marca registrada. 

Segue imediatamente com comitiva para a praça central da cidade. “Maior pequena multidão e o mais importante acontecimento político da história da cidade goiana”, descreve o jornalista e historiador Ronaldo Costa Couto no livro, Brasília Kubistchek de Oliveira.

Chegando ao palanque, o céu desaba em água, dando início a um tromba d´água dos diabos. No sufoco, alguém sugere o galpão de uma oficina mecânica ali perto. O espaço é pequeno, as pessoas se espremem. 

Na carroceria de um caminhão Bedford, Juscelino improvisa. Fala de desenvolvimento, fim da miséria, empregos. Também de democracia, cumprimento fiel das leis da Constituição. Empolgado, JK instiga as pessoas a fazer perguntas. 

Depois do primeiro voluntário, é a vez de um jovem de 29 anos sair do anonimato e entrar para História. É o Toniquinho da Farmácia. Ou melhor: Antônio Soares Neto, inspetor de seguros.

Foto: Acervo familiar

Como pleiteava vaga num concurso, sabia a Constituição de cabo a rabo, lançando a pergunta no ar:

“Se eleito for, o senhor vai mudar a capital para o interior do país, conforme está previsto no artigo 4º das Disposições Transitórias da Constituição?”, indagou, com palpitação no coração.

Anos depois, em seus livros de memórias, Juscelino Kubistchek lembraria do susto que tomou. “A pergunta era, na realidade, embaraçosa”, escreveu. “Desde muito tempo, já me habituara a ver, no mapa do Brasil, aquele retângulo colorido, assinalado o local do futuro Distrito Federal. A ideia sempre me parecera utópica, irrealista. Entretanto, naquele comício de Jataí, vi-me, de súbito, posto frente a frente com o desafio”, admitiu.

Compromisso firmado
Juscelino não demorou mais do que alguns segundos para responder a Toniquinho – e aos demais moradores do local. “Acabo de prometer que cumprirei, na íntegra, a Constituição, e não vejo razão para ignorar esse dispositivo. Durante o meu quinquênio, farei a mudança da sede do governo e construirei a nova capital!”, disse – selando para sempre sua história e a do país.

Já no próximo discurso, na cidade de Anápolis (GO), JK anunciaria uma mudança importante no seu plano de governo. Manteria as trintas metas iniciais apresentada, mas acrescentando como Meta-Síntese, a mais importante de seu governo, a construção da nova capital do país.


“Foi uma coisa muito importante que nasceu de um gesto espontâneo, iluminado. Algo que ele tinha muito orgulho de contar para a família e amigos e a gente se orgulhava também”, contou, 64 anos depois, Carlúcio Vilela Soares, 58, um dos cinco filhos de Toniquinho, que foi enterrado na última semana em sua cidade natal sob aplausos e homenagens.

“Foi um episódio que marcaria para sempre a vida dele e do Brasil. Com a construção de Brasília, todo o meio norte goiano sofreu um impacto enorme”, avaliou o historiador Roosevelt Vilela Soares, 53 anos, também filho de Toniquinho.  

De fato, depois daquele dia, a vida de Toniquinho e da cidade de Jataí nunca mais seriam a mesma. Para começo de conversa, o Toniquinho da Farmácia virou Toniquinho JK e, por onde passava, era lembrado pelo feito. 

[Olho texto=”Toda vez que o JK falava sobre Brasília, como a cidade surgiu, lembrava do meu pai e da fatídica pergunta” assinatura=”Roosevelt, filho de Toniquinho” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

A ponto de muitos o chamarem de o verdadeiro “pai de Brasília”. Já a cidade de Jataí ganhou relevância histórica no mapa brasileiro. “Outro dia, uns amigos nossos aqui de Jataí estavam passeando na Europa e esbarram com brasileiros. O simples fato de mencionar que eram daqui foi o suficiente para eles lembrarem do Toniquinho e do famoso episódio”, divertiu, orgulhoso, Carlúcio.

“Toda vez que o JK falava sobre Brasília, como a cidade surgiu, lembrava do meu pai e da fatídica pergunta”, reforçou o irmão Roosevelt, que foi um dos primeiros diretores do Memorial JK de Jataí, espaço da cidade criado em 2003, reservado para lembrar essa relação entre a cidade goiana e a nova capital do País.

Homenagens
De engraxate a vendedor, passando por fiscal de rendas do estado de Goiás, Toniquinho se formou em Direito nos anos 70 e até há pouco ainda exercia a advocacia. Ele recebeu importantes homenagens ao longo da vida por conta de sua participação vital no surgimento de Brasília. A última foi em junho do ano passado, em Goiânia, pela Câmara dos Vereadores. 

Em Brasília, foi lembrado pela Associação dos Comerciantes do DF, Câmara dos Deputados, Senado e CLDF – que lhe concedeu o título de cidadão de Brasília, em 1999. Num dos monumentos da Praça dos Três Poderes, o Museu da Cidade, há uma referência ao goiano ilustre e quando a capital fez 50 anos, o Memorial JK de Brasília o fez questão de convidar para as celebrações.

Foto: Acervo familiar

“Certa vez, ele quase foi recebido pelo presidente Fernando Henrique no Palácio do Planalto, como ele não estava, quem o atendeu foi o vice Marco Maciel”, lembrou o filho Carlúcio. “Ele foi o grande jataiense, amou, defendeu e representou a terra dele. Foi um conterrâneo muito feliz, soube exercer a vida dele com amizade, coragem e honestidade”, Luziano Carvalho, prefeito de Jataí na época do encontro entre JK e Toniquinho, durante o velório do amigo.