05/12/2019 às 08:30, atualizado em 05/12/2019 às 13:30

Zoológico de Brasília faz 62 anos

O zoo foi inaugurado antes mesmo da capital federal (1960) e traz histórias curiosas, incluindo uma suposta “traição” na ilha dos babuínos

Por Gizella Rodrigues, da Agência Brasília

Primeiro leão trazido ao Zoo em 1965. Leões foram atração até junho de 2016 // Foto: Arquivo Público do DF

As máquinas mal começavam a trabalhar no Planalto Central para a construção da nova capital e o primeiro ponto de lazer no Plano Piloto já abria as portas naquela sexta-feira, 6 de dezembro de 1957. Macacos, araras, tucanos e uma elefanta eram as atrações. Inaugurado quase dois anos e cinco meses antes de Brasília, o Jardim Zoológico completa seus 62 anos amanhã (6) como parte importante da história da cidade.

O nascimento do zoológico tem diferentes versões. É conhecida entre os brasilienses a história de que o zoo foi criado para abrigar a fêmea de elefante-asiático Nely que teria sido presente do embaixador da Índia à época ao então presidente da República, Juscelino Kubitscheck. Mas os documentos negam essa hipótese.

Livro de registro de animais do zoológico: Nely é citada em segundo lugar em uma folha rasgada escrita à mão. Foto: Reprodução Zoológico de Brasília

O primeiro animal catalogado no Livro de Registros do Zoológico foi um macaco macho da espécie bugio-preto, capturado no Cerrado na área onde estava sendo construída a nova capital e doado por um morador da cidade em 30 de outubro de 1957. Nely é citada em segundo lugar em uma folha rasgada escrita à mão, mas ela não foi um presente do embaixador a JK.

O livro diz que ela foi doada pela Companhia de Produtos Farmacêuticos White Fontoura, de São Paulo, em 6 de dezembro de 1957, data de inauguração da instituição.

Para Igor Morais, gerente de projetos educacionais do Zoológico, a versão do presente do embaixador é uma lenda. “O que parece ser mais coerente é que o zoológico foi criado como atração para os operários que construíram Brasília”, diz. “Isso casa com o fato de o zoológico ter sido inaugurado antes da cidade, o único caso no mundo que eu conheço”, ressalta.

Igor Morais, gerente de projetos educacionais, aprendeu toda a história do zoo organizando documentos antigos. Foto: Paulo H Carvalho / Agência Brasília

Apesar de jovem, ele tem apenas 31 anos, e de trabalhar na Fundação Jardim Zoológico há apenas três, Igor se tornou especialista na história do local. Tudo estava registrado em documentos em armários espalhados pela instituição que ele teve que organizar quando contratado.

“Logo que cheguei aqui recebi a missão de organizar esses armários, que chamávamos de tumba do faraó. Passei quatro meses estudando esses documentos”, conta.

O rato que Brasília matou

Espaço, que foi usado por Nely, hoje é do rinoceronte Thor. Foto: Paulo H Carvalho/Agência Brasília

Quando o zoológico foi inaugurado, havia basicamente dois recintos no local: o espaço usado por Nely (a elefanta) – ainda de pé, hoje usado pelo rinoceronte Thor – e alguns viveiros para macacos e aves. Não havia cercas nem grama.

Um pouco depois da inauguração, ainda na década de 60, foi construído o Teatro de Arena, usado para apresentações circenses dos animais, o que não é mais feito. Hoje o anfiteatro é usado para palestras e atividades lúdicas para os visitantes. A maior parte da estrutura atual do local é da década de 70.

Originalmente, a área do zoológico era cheia de rochedos que foram dinamitados para fornecer brita para a construção de Brasília. Em uma dessas explosões foi encontrada uma espécie de rato até então desconhecida. Ela foi descrita e batizada como Jucelinomys Candango em homenagem a JK e aos candangos.

Como era uma nova espécie, três “exemplares” foram mandados para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e ninguém achou esse tipo de roedor depois aqui na capital. “O parente mais próximo desse rato vive em Goiás, em áreas de rochedo. Acredita-se que o rato literalmente foi explodido junto com os rochedos. A história é conhecida como o rato que Brasília matou, pois a espécie entrou em extinção”, conta o biólogo.

Davino Cardoso da Silva trabalhou por 48 anos no zoológico e fez “de tudo”. Foto: Acácio Pinheiro / Agência Brasília

Davino Cardoso da Silva, 80 anos, trabalhou no zoo por 48 anos, de 1967 a 2015. Desempenhou diversas funções, foi servente, motorista, carpinteiro e, nos últimos anos antes da aposentadoria, era tratador das aves. “Fiz de tudo no zoológico, até ajudei a cavar valas. Cuidei praticamente de todos os bichos ali”, conta. “Só ficava meio receoso com o leão. Não gosto de quem fala mais alto do que eu e o rugido do leão é muito alto”, brinca.

O tratador aposentado guarda recordações de uma época em que os animais eram exibidos como bichos exóticos para entretenimento do público e o zoológico vivia cheio. “Teve um Dia das Crianças que estava tão cheio que não tinha espaço nem para pisar”, conta. “Também o zoológico era praticamente a única diversão existente na cidade, tanto para crianças quanto para adultos”, diz.

Outra mentalidade

Naquela época também era costume capturar animais silvestres da natureza e exibi-los no Zoológico. “Eu nunca fui, mas tinha uma equipe de captura. O pessoal passava meses fora. Lembro quando foram para o Mato Grosso e passaram 90 dias. Assim sempre tinham bichos novos”, fala Davino, apaixonado por animais que comemorou os 80 anos em uma festa com o tema de safári no dia 30 de novembro.

A elefanta Nely fazia apresentações circenses no meio do público. Foto: Arquivo Público do DF

Ele lembra também que os animais eram usados em apresentações circenses que divertiam os visitantes. “A Nely era a grande estrela. Parecia um cachorro de tão dócil”, recorda-se. A elefanta saía do recinto e andava no meio do público. “Ela estava sempre com dois domadores. Aos domingos e feriados eles faziam apresentações como nos circos . Os domadores deitavam no chão e ela colocava a pata em cima deles, parecendo que ia pisar neles”, conta.

A elefanta foi a grande atração do zoológico por 35 anos e a doença dela causou comoção entre os brasilienses, que enviavam cartas oferecendo ajuda para o tratamento do animal. Ela morreu em 1992 – provavelmente por causa da idade avançada, estima-se que ela tinha cerca de 60 anos pois chegou em 1957 já adulta – durante uma visita oficial do ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, a Brasília.

Ossos de Nely estão expostos no museu de taxidermia e são o símbolo zoo. Foto: Paulo H Carvalho / Agência Brasília

Comovido com a mobilização, ele fez a doação de um casal de elefantes africanos para o Zoo. Babu e Belinha chegaram  em 1995. O macho morreu em janeiro do ano passado e hoje quem faz companhia a Belinha é Chocolate, resgatado de um circo em 2008. Ambos têm 27 anos. Nely foi enterrada em segredo, à noite. Hoje seus ossos estão expostos no museu de taxidermia e são o símbolo zoo.

Mas a montagem do esqueleto deu trabalho. A ideia surgiu em 1997, mas ninguém sabia exatamente o local da sepultura. Funcionários do local passaram quase um ano cavando buracos ao redor do zoológico até encontrarem a cova. Atualmente, o animal mais antigo é a fêmea de hipopótamo Bárbara, transferida de Sorocaba em 1983, quando tinha oito meses.

Bárbara, a hipopótama, é a moradora mais antiga do zoo. Foto: Paulo H Carvalho / Agência Brasília

Outras histórias

Davino conta que havia uma lenda de uma onça que saía do zoológico à noite e teria feito duas vítimas, uma na Velhacap (atual Candangolândia) e outra em Taguatinga. Em 2003, o descuido de um tratador de fato causou uma tragédia que marcou a história do Zoo.

A tigresa Hanny escapou e matou um funcionário, Edson Nunes, 29 anos, que alimentava o animal havia três anos. Ele cometeu uma série de erros. Devia ter descido para a área de manejo acompanhado de um colega, mas foi sozinho. Além disso, esqueceu de verificar se as grades de acesso estavam fechadas. O animal chegou a deixar a área de manejo e subir para o espaço dos frequentadores. Mas retornou ao recinto ao ouvir o choro de um dos filhotes.

Capitu “traiu” seu companheiro de ilha e arrumou outro babuíno em “endereço” diferente dentro do próprio zoológico. Foto: Arquivo Agência Brasília

E quem não se lembra da Capitu. A fêmea de babuíno desafiou seus instintos e aprendeu a nadar para se encontrar com seu amante, Eliseu, em outra ilhota no recinto dos macacos. Seu companheiro, Otelo, assistia tudo de longe e a história foi noticiada por toda a imprensa nacional.

“O Eliseu morreu de tristeza porque colocaram ele longe da Capitu. O Otelo era velho e quem gosta de velho?”, diverte-se o tratador aposentado Davino, que presenciou o caso.

Hoje os tratadores são chamados de cuidadores, porque, além de alimentar os animais e limpar os recintos, eles cuidam do bicho de uma maneira mais ampla, assegurando a qualidade de vida deles.