09/01/2020 às 12:55, atualizado em 09/01/2020 às 16:10

Um hino que Brasília ganhou na primeira infância

Antes da inauguração da capital federal, a pianista Neusa França, que morava no Rio de Janeiro, se inspirou e compôs um hino em homenagem à cidade

Por Emanuelle Coelho, da Agência Brasília

Tempos gloriosos de uma capital federal que começava a nascer: Neusa França, pianista recém-chegada do Rio de Janeiro, já marcava presença na cidade | Fotos: Arquivo pessoal

Em meio à política desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek – de incentivar o progresso econômico do país por meio da industrialização –, surgiu a primeira homenagem oficial a Brasília. Antes mesmo de a cidade em forma de avião ser inaugurada, alguém já imaginava e compunha uma melodia para ela.

Enquanto aqui no quadradinho todos trabalhavam na finalização da capital federal, no Rio de Janeiro, a já consagrada pianista Neusa França dava asas à imaginação e criava a canção que se tornaria o Hino Oficial de Brasília. A inspiração surgiu durante um trajeto de ônibus de Ipanema à Lapa, onde ficava a Escola Nacional de Música. Foi durante esse percurso que ela esboçou os primeiros acordes da música, informa o livro Neusa França: Um Hino de Amor a Brasília, de Dib Franciss e Jaci Toffano.

História resgatada

Neusa França (segunda a partir da esquerda), em audição com a consagrada pianista Magdalena Tagliaferro

Neusa era amiga próxima de Victor Nunes Leal, então ministro-chefe da Casa Civil, e da mulher dele, Julimar. Com versos de Geir Nuffer Campos e música de autoria da pianista, o hino, logo no início, afirma: “Todo o Brasil vibrou, e nova luz brilhou, quando Brasília fez maior a sua glória. Com esperança e fé, era o gigante em pé, vendo raiar outra alvorada em sua história.” Mais adiante, a música sinaliza: “(…) e o candango sorri feliz — símbolo da força de um país”.

O professor Dib Franciss fez sua dissertação de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) a partir da obra de Neusa França, e seu material de estudo, posteriormente, virou um livro. Para ele, os hinos são símbolos pátrios que vão além do aspecto cívico.  “O Hino de Brasília é um resgate de sua história”, afirma. “Está intimamente ligado com o sonho de Brasília e fala do candango construindo a cidade e de seu sonho no coração”.

Em diferentes entrevistas concedidas ao longo de sua vida, Neusa França sempre comentava:  “Fiz um hino curto. Queria que fosse uma música fácil de as pessoas aprenderem e não igual ao Hino Nacional, que é longo e constantemente assassinado por quem o canta”.

[Olho texto=” “Fiz um hino curto. Queria que fosse uma música fácil de as pessoas aprenderem e não igual ao Hino Nacional, que é longo e constantemente assassinado por quem o canta”” assinatura=”Declaração de Neusa França em diversas entrevistas ” esquerda_direita_centro=”direita”]

Chegada a Brasília

Professora, pianista e compositora, Neusa França nasceu em Campos, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 1920.  A pioneira musical do quadrilátero que se tornou a capital do país esteve pela primeira vez em Brasília em 1958, para participar de um estágio destinado a professores.

Em 1960, veio de mudança com o marido, Oswaldo França, e três filhos. Em Brasília, continuou sua carreira como professora, pianista, compositora e regente de coros. Ela foi uma das fundadoras da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, além de pioneira do ensino do piano no Distrito Federal.

“Brasília para mim é como um filhinho”, conta Neusa em seu diário, um pequeno bloco de anotações onde costumava escrever sobre sua rotina desde o momento em que desembarcou na capital, e cuja transcrição foi feita no estudo do professor Dib.  “A gente vê nascer, ir para a escola, se formar, fazer mestrado e doutorado”. Na época em que redigia suas primeiras impressões sobre a cidade, ela já marcava presença na vida cultural e educacional do DF.

“A casa dela era um polo irradiador de cultura, onde recebeu Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Avena de Castro e Nelson Freire”, conta o professor, que participou de várias apresentações com a pianista. “Os saraus na casa dos Franças não tinham hora para acabar. Neusa fez o primeiro recital de piano da nova capital, Brasília.”

Oficialização do hino

O hino oficial da cidade nascida do sonho de Dom Bosco foi analisado e aprovado em 1960, posteriormente tendo sido adotado, em caráter oficial, por meio do decreto 51.000, de 19 de julho de 1961, assinado por Jânio Quadros e Brígido Tinoco.

Em 19 de julho de 1961, o hino foi oficializado de forma unânime por uma comissão do Ministério da Educação e Cultura (MEC, à época). No livro de Dib Franciss, Neusa afirma que o decreto presidencial que oficializou o Hino de Brasília foi o último assinado pelo presidente João Goulart antes de ele ser deportado.

Compuseram a banca para a aprovação do Hino Oficial de Brasília Ademar Alves da Nóbrega, afilhado de Villa-Lobos; o crítico musical Itiberê da Cunha; o maestro, compositor e professor de harmonia José Siqueira; o maestro Eleazar de Carvalho; o professor de Harmonia do Conservatório Villa-Lobos Humberto Gonçalves e, por fim, o pianista, regente e compositor Francisco Mignone.

A peça musical foi apresentada pela primeira vez em 16 de maio de 1960, durante a inauguração do Centro de Ensino Médio Caseb (Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília), a primeira escola da capital, durante solenidade à qual compareceram o presidente Juscelino Kubitschek e outras autoridades.

A primeira gravação

O primeiro registro fonográfico do hino, conta Dib Franciss, ocorreu em 1986, em uma fita cassete. Participaram da gravação músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília, da qual Neusa também era integrante, sob a regência do maestro Claudio Santoro.

Por iniciativa da Secretaria de Cultura do GDF, em 1990, foi feita uma gravação em homenagem a Brasília reunindo 30 composições, entre elas o Hino de Brasília. Sob a regência do maestro Silvio Barbato, o registro ganhou formato de LP, tendo sido gravado como DC em 1998. O intuito da Secretaria de Cultura foi tornar o hino oficial conhecido pela sociedade, em especial nas escolas da rede pública de ensino.

Em um dos trechos do livro, Franciss descreve que, durante um curso de formação de professores, Neusa convenceu todos os participantes a entoarem o Hino de Brasília, à época ainda não oficializado. O autor também cita uma declaração da pianista informando que “nos colégios, toda segunda-feira, havia o hasteamento da bandeira, a execução do Hino Nacional e do Hino de Brasília”.

Neusa faleceu em março de 2016, aos 95 anos, na capital federal.  Compôs mais de 15 hinos, dos quais dez levam o nome Brasília no título. Segundo a portaria elaborada em conjunto pelas secretarias de Educação (SEE) e de Segurança Pública (SSP) para regulamentar as escolas de gestão compartilhada, o Hino de Brasília será ensinado nas instituições públicas de educação.