29/02/2020 às 18:15, atualizado em 29/02/2020 às 19:16

Lívia Pansera: “É fundamental que estejamos preparados para receber casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus”

A infectologista do HBDF foi designada pela Secretaria de Saúde para atuar em ações de prevenção, quadro clínico e casos suspeitos de coronavírus no DF

Por Ary Filgueira, da Agência Brasília

Foto: Lúcio Bernardo Jr / Agência Brasília

A médica da Secretaria de Saúde Lívia Vanessa Ribeiro Gomes Pansera é uma referência técnica distrital em infectologia. Formada em medicina pela Universidade de Brasília (UnB), fez residência médica em infectologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Posteriormente, cursou mestrado em medicina tropical e clínica das doenças infecciosas e parasitárias pela UnB. Atualmente, trabalha no Hospital de Base (HBDF). Com esse currículo e vasta experiência, Lívia foi designada pelo secretário de Saúde do Distrito Federal, Osnei Okumoto, para ser uma espécie de porta-voz do Governo do Distrito Federal quando o assunto for coronavírus. Desde que foi empossada na nova função, na noite de sexta-feira (28), sua agenda acumulou compromissos. Nem o sábado foi preservado. Entre uma reunião e outra, ela atendeu à reportagem da Agência Brasília para falar sobre coronavírus. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

 

O Governo do Distrito Federal declarou situação de emergência em razão do risco de pandemia do novo coronavírus. Apesar de até agora serem somente seis casos suspeitos, a capital federal está na rota do coronavírus?

Brasília, por ser a capital do país, concentra ministérios, embaixadas e diversos outros órgãos, com uma grande circulação de pessoas, tanto servidores que vêm de outros países a serviço quanto estrangeiros. Possuímos voos internacionais para diversas localidades, sem falar na quantidade de escalas favorecida pela posição geográfica estratégica na malha aérea nacional. É fundamental que estejamos preparados para receber casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Como se dá o contágio?  

O novo coronavírus pode ser transmitido de pessoa a pessoa – pelo ar, por meio de tosse ou espirro, além do contato das mãos com superfícies contaminadas ou apertos de mão também contaminada, seguido de contato com os olhos, nariz ou boca. Ainda não está claro o potencial de transmissibilidade, mas alguns estudos sugerem que o vírus sobreviva até nove dias em superfícies não higienizadas, com um tempo mais curto em temperaturas acima de 30 graus.

De que forma é feita a triagem das pessoas suspeitas de terem contraído Covid-19?

A definição de caso suspeito inclui a presença de febre, com pelo menos um sinal ou sintoma respiratório: tosse, dificuldade para respirar, coriza, batimento de asas nasais, ou qualquer outro somado ao histórico de viagem para qualquer um dos países com transmissão sustentada de acordo com a OMS [Organização Mundial de Saúde] nos últimos 14 dias que antecederam o aparecimento dos sintomas. [Também passa pela triagem a pessoa que] apresenta febre, com pelo menos um sintoma respiratório, combinado à história de contato próximo com caso suspeito para o novo coronavírus, igualmente nesse período que precedeu os sintomas ou o contato em laboratório.

 Há casos de estrangeiro contaminado que não viajou e, assim mesmo, contraiu a doença…

Essa é a parte mais preocupante, porque, pelo fato de a maioria das pessoas não ter sido exposta, a suscetibilidade é geral e não sabemos se há imunidade sustentada pelo vírus. É diferente de zyka, dengue e chikungunya, pois não depende de um vetor para transmissão – no caso, o Aedes aegypti.

Então, todos os brasilienses que apresentarem esses sintomas devem procurar um atendimento em hospitais especializados no tratamento do surto pelo coronavírus?

Nem todos. O paciente que apresenta sintomas, mas não possui história epidemiológica de exposição, não é considerado como caso suspeito para o novo coronavírus. Pode estar simplesmente desenvolvendo sintomas de um resfriado comum ou gripe, mas também não deve negligenciar os seus cuidados e deve procurar os serviços de saúde, principalmente, as unidades básicas [UBSs], caso necessário.

Quais as principais atitudes que podemos adotar para impedir que a infestação atinja Brasília?

Devemos estar atentos e aumentar a vigilância dos casos suspeitos, incluindo informações e apoio logístico nos aeroportos para possíveis sintomáticos que cheguem ao Distrito Federal. Para os profissionais de saúde, é preciso que sejam disponibilizados todos os equipamentos de proteção individual [EPIs] para assistência aos casos suspeitos e possíveis confirmados, e principalmente treinar as equipes na identificação correta de casos suspeitos, isolamento [hospitalar ou domiciliar], bem como o uso e descarte correto dos EPIs.

Como é feito o tratamento de alguém que contraiu a Covid-19 e quanto tempo dura?

Não há tratamento específico até o presente momento. Na China, foram utilizados alguns antirretrovirais, mas ainda com pouca evidência científica para ampliar este uso. O que é feito hoje, basicamente, é o suporte clínico: hidratação, repouso, uso de antitérmicos e eventualmente suplementação de oxigênio ou ventilação mecânica e UTI [Unidade de Terapia Intensiva] nos casos graves. Importante lembrar que a maior parte dos casos é de pacientes com sintomas leves e sem necessidade de internação. Essas pessoas, contudo, devem ser orientadas a permanecer em isolamento domiciliar. A internação é somente para casos graves.

A senhora vê algum tipo de relação da Covid-19 com outras doenças conhecidas?

As manifestações coincidem com a influenza e outras infecções virais respiratórias, podendo durar até 14 dias, geralmente menos.

Existe vacina contra a Covid-19?

Não há vacina até o presente momento, apesar de a comunidade científica mundial estar somando esforços para isso.

 Como a população deve agir para não se contaminar?

É importante que a população esteja atenta às medidas de precaução mais eficazes: evitar contato com pessoas doentes ou mesmo com sintomáticos respiratórios; não permanecer em ambientes fechados e no meio de aglomerações; fazer a higiene correta e frequente das mãos, seja lavando com água e sabão ou álcool gel. O uso de máscaras é mais eficaz para evitar que as gotículas e secreções respiratórias de um indivíduo doente possa se disseminar, mas nada adianta fazer uso de máscara sem higiene das mãos. E, ainda, devemos estar atentos a medidas de etiqueta respiratória, ou seja, cobrir a boca com o cotovelo [antebraço, na parte mais próxima ao cotovelo] ao respirar ou tossir e utilizar lenços de papel seguidos de descarte no lixo.