26/03/2020 às 13:00, atualizado em 26/03/2020 às 15:40

Naná, da Torre de TV para o mundo

Batizada como Maria de Nazaré, ela chegou aqui em 1977. Pensou em desistir no início, mas encarou a realidade, encontrou o amor em Brasília e encanta o povo com as delícias do Pará

Por Agência Brasília*

[Numeralha titulo_grande=”26″ texto=”dias para os 60 anos de Brasília” esquerda_direita_centro=”centro”]

Em homenagem à capital federal, formada por gente de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente, até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.

 

Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília

Naná veio, viu e não gostou. Convencida pelo pai, deu uma chance à cidade. Hoje, essa pessoa carismática não vive sem Brasília. Que tal ir lá na Torre de TV trocar uma prosa com ela? Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília

 

“Eu vim morar em Brasília em setembro de 1977 para assumir um cargo público. Sou paraense, mas vivia em João Pessoa na época. Eu tinha 24 anos e tive uma difícil adaptação em Brasília. Eu morava em uma cidade de praia, fazia mestrado, tinha uma outra vida. Cheguei aqui sozinha, sem quase conhecer ninguém, embora eu tivesse uma tia e alguns primos que moravam aqui, e estranhei demais a cidade.

O governo ainda era militar e eu fui trabalhar na auditoria do Ministério do Exército. Foi um choque trabalhar em um lugar com toda aquela rigidez. Eu era muito diferente, não tinha nada a ver comigo aquilo ali. Eu fui morar em uma quadra militar porque eu tinha direito a um apartamento funcional, na 209 Sul. Todo mundo trabalhava junto e morava na mesma quadra. Eu era a única civil e ainda por cima mulher. Era difícil fazer amizade.  

Minha pele ressecava, tive caspa. Cheguei a ir no médico e ele disse: ‘minha filha, sua pele é muito seca, você vai sofrer muito’. Passava milhões de cremes, pensava que não ia me acostumar. Eu queria ir embora daqui, ‘essa cidade não tem água, socorro’, dizia.

[Olho texto=”Gosto tanto de Brasília que não suporto que falem mal dela. O amor chegou a esse ponto. Você pode até reconhecer os defeitos, mas ninguém pode falar deles.” assinatura=”” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Telefonei pra casa e disse que ia pedir demissão. Meu pai mandou minha mãe para cá pra ver se eu desistia e acabei ficando. Um ano depois minha irmã fez uma cirurgia no Rio de Janeiro e veio se recuperar aqui. Eu sei que nessa história meu pai veio depois e todos morávamos na 209 Sul.

Viver em Brasília melhorou um pouco, mas ficou bom mesmo quando eu me apaixonei. A vida é maravilhosa quando você ama. Comecei a me relacionar com o pai dos meus filhos, caiu a ficha de que eu morava em Brasília e essa era minha realidade. Eu tinha um bom emprego, algo que talvez não conseguisse morando em Belém. E comecei a viver a cidade.

Eu morava em frente ao Beirute, era só atravessar a rua. Tinha o movimento todo dali. Tinha vários bares legais em Brasília. Tinha o Poeta, que já fechou, na Asa Norte. Eu comecei a conhecer gente de fora, colegas meus de auditoria que vieram de outros lugares. E fui me adaptando.

Brasília me deu muito. Meu pai faleceu uns dois anos depois que se mudou para cá e minha mãe ficou muito abalada. A gente já estava muito ligada nos movimentos regionais, eu fui líder da barraca do Pará na Festa dos Estados, e falei para minha mãe: ‘por que a gente não monta alguma coisa do Pará?’. Já tinha alguns restaurantes, mas todos fechavam. E pensei em montar na Torre de TV.

Eu queria que minha mãe se distraísse, fizesse novas amizades, que foi o que aconteceu. O Delícias do Pará está na Feira da Torre de TV há 39 anos. No início era uma trabalheira, a gente montava e desmontava a barraca todos os dias, a Torre não tinha nenhuma estrutura.

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Minha mãe, dona Jacirema, foi felicíssima nesse empreendimento dela. Ela era uma mulher muito forte, tenho um orgulho danado de ser filha dela. Ela morreu ano passado, aos 92 anos. Eu, já aposentada do serviço público, estava administrando o box há quatro anos. Quando ela morreu, eu sentia muita falta dela e pensei em vender a barraca, mas acabei assumindo o negócio. E acho que deu certo, o pessoal fala que a qualidade da comida não mudou. Parece que eu herdei o dom de cozinhar dela.

Gosto tanto de Brasília que não suporto que falem mal dela. O amor chegou a esse ponto. Você pode até reconhecer os defeitos, mas ninguém pode falar deles. A cidade cresceu muito, mas pra mim o maior defeito é a falta de atividades culturais. Brasília está se tornando uma cidade chata. Não pode falar alto, ficam medindo os decibéis dos bares, não se pode escutar uma música. Brasília está ficando careta demais.

Mas sou muito feliz aqui, eu devo demais a Brasília. Eu não sei imaginar como seria minha vida sem ela. Agradeço muito ao meu pai por ter insistido tanto para a minha permanência aqui.”

Maria de Nazaré Lima de Almeida, a Naná, 66 anos, mora no Jardim Botânico

  • Depoimento concedido à jornalista Gizella Rodrigues