04/04/2020 às 13:00, atualizado em 28/03/2020 às 21:56

Vladimir Carvalho e sua Brasília velha de guerra

E eis que o cineasta chegou aqui, em 1970, quando, conta, a nova capital já dobrara a esquina da história, deixando para trás a epopeia de JK

Por Agência Brasília*

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Em homenagem à capital federal, formada por gente de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente, até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.

Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Vladimir Carvalho conta que Brasília foi, para ele, uma dádiva dos deuses, sobretudo a partir dos anos 1980, com a derrota do regime de exceção e com o start para a redemocratização. Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Quando baixei em Brasília, em 1970, a nova capital não era mais o ermo que Vinícius de Morais vislumbrou antes das intervenções de Niemeyer e Lucio Costa. Já dobrara a esquina da história, deixando para trás a epopeia de JK e enfrentando a face sombria de feroz ditadura militar.

Vim por conta de minha atividade no cinema para uma experiência de dois meses com o compromisso de montar, com Fernando Duarte, um núcleo de produção de documentários junto à UnB. Esse sonho compartilhado jamais se concretizou e neste ano já contabilizo meio século de permanência em Brasília, desde uma paixão à primeira vista até o desconforto do ódio, como acontece em toda paixão.

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Aqui desfrutei de uma relação lírica com a natureza, interessando-me pelo cerrado de recôndita beleza, o que resultou em venturosas filmagens de alguns documentários, válvula de escape, talvez, para compensar o doloroso clima de perseguição e repressão atingindo em cheio a nossa UnB, que por pouco não sucumbiu no curso de tantas agressões.

Ao mesmo tempo, descobri uma chacina de trabalhadores num canteiro de obras durante a construção da cidade, o que resultou em filme jamais tolerado pelo oficialismo. Nesse contexto também vivi amargura de ver meu longa O País de São Saruê (1971) ser proibido e interditado pela censura por quase uma década.

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A travessia foi longa e só amenizada pelos lances de nossas lutas, bem dizer subterrâneas, para fazer a parte que nos cabia como educadores e cidadãos cônscios de suas tarefas. Tudo somado, mesmo na perspectiva de hoje, com todas as ameaças que nos cercam, com uma espada suspensa sobre nossas cabeças, a sensação é de que valeu a pena aqui ter vivido.

Brasília foi para mim uma dádiva dos deuses, sobretudo a partir daqueles distantes anos de 1980, com a derrota do regime de exceção e com o start para a redemocratização do país. Esta foi a maior alegria de minha vida, o que contribuiu para vestir para sempre a camisa de Brasília, como se fosse o time do meu coração.”