17/08/2020 às 09:49

Prêmios FAC contemplam 500 agentes culturais

Resultado foi publicado nesta segunda (17) no Diário Oficial. Serão investidos R$ 2 milhões, com até R$ 4 mil per capita

Por Agência Brasília * | Edição: Renato Ferraz

Da data de lançamento do edital Prêmios FAC Brasília 60 anos (7 de maio) até o resultado final, publicado hoje (17) no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), passaram-se 100 dias. Esse foi o tempo necessário para cumprir todas as etapas que envolvem uma seleção atrelada ao Fundo de Apoio à Cultura (FAC) – inscrição, admissibilidade, análise de mérito, período recursal, avaliação de recursos e publicação. Hoje, dos 1.588 projetos inscritos, 500 estão aptos a receber o valor bruto de R$ 4 mil, num investimento de R$ 2 milhões, que chega para socorrer os agentes culturais em momento delicado de pandemia.

A ação integra o pacote de editais Conecta Cultura, lançado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do Distrito Federal no início da pandemia da Covid-19. Ainda neste mês, será divulgado também o resultado final do FAC On-line com mais R$ 2 milhões para 108 projetos contemplados (no momento, esse edital passa pela análise final dos recursos).

“Desde que fomos surpreendidos pelo isolamento social e pela necessidade de nos adaptarmos às condições de teletrabalho impostas pela pandemia, a Secretaria não parou um minuto de atuar para diminuir esse impacto sobre a vida de nossos artistas e técnicos”, afirma o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Bartolomeu Rodrigues.

“A ideia do Prêmio FAC Brasília 60 Anos, no entanto, não foi só a de auxílio emergencial, mas também de reconhecimento dessas trajetórias. Em outra situação, faríamos até uma cerimônia para entregar esses prêmios, solenemente, a cada contemplado”, ressalta. 

A partir de agora, os agentes culturais têm até 30 dias para enviar os documentos exigidos e receber o prêmio de R$ 4 mil brutos. A papelada, conforme o edital, deve ser encaminhada, em formato PDF, para os seguintes e-mails: premiosfac@cultura.df.gov.br, com cópia para premiosfac@gmail.com.

[Olho texto=”O Prêmio FAC Brasília 60 Anos não é um auxílio emergencial, mas reconhecimento dessas trajetórias” assinatura=”Bartolomeu Rodrigues, secretário de Cultura” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Um dos contemplados, o pesquisador em música e luthieria Juraci Moura elogiou a preocupação da Secec em simplificar o acesso de artistas aos recursos públicos. “O edital diminuiu as barreiras complexas para ajudar essa cadeia que gera cultura e riqueza, sustentando as famílias”, diz ele. 

Criado em Ceilândia e, hoje, morador do Sol Nascente, Juraci fabrica instrumentos de percussão a partir de sacos de cimento e outros objetos largados nas ruas, como tampinhas de cerveja e partes de guarda-chuvas. Ele trabalhou durante dez anos no Espaço Cultural Mercado Sul, Taguatinga, onde fez formação com o mestre Virgílio Mota.

Juraci Moura: | Foto: Secretaria de Cultura/Divulgação

Selecionada na categoria Artesanato, Patrícia Ferreira Paiva de Sousa, moradora de São Sebastião, apresenta-se como “mulher, negra, periférica, autônoma e filha de mãe (solo)”. Ela também reaproveita materiais dando-lhes, como diz, “outras possibilidades estéticas e tornando-os arte”. “O Prêmios FAC foi uma grande oportunidade de reconhecimento do que faço cotidianamente, e nesse aspecto pude compartilhar um pouco do que é ser uma cidadã de valor, artista e que compartilha conhecimento sempre para um bem maior”, avaliou.

Patrícia faz exposições informais e itinerantes, nas quais se aproxima do público. “Cada pessoa que para, no meu pano, é acolhida por meio de conversas, ensinamentos e reconhecimento”, contou ela – destacando que isso constitui uma troca de saberes, que alimenta a tradição oral, mantendo viva a cultura do nosso país.

Pertencimento à cultura
Na categoria “Patrimônio Cultural”, Layla Maryzandra, de Santa Maria, pedagoga e especialista em História e Cultura Africana e Afrobrasileira, além de Educação em Direitos Humanos, recebeu o resultado da premiação como “um fôlego diante do mar de desafios que a conjuntura política carrega”. 

“Ser uma mulher negra e ter o trabalho reconhecido mostra que, mesmo em meio a tantas dicotomias raciais e sociais, os seus projetos revigoram e propiciam ferramentas para atuar com cultura, arte e educação, sinalizando para outros mundos possíveis”, reforça.

Na mesma categoria, foi premiado o grupo Legado Capoeira Raiz e Tradição. Thiago Dutra da Silva, de Ceilândia, mais conhecido como Contramestre Lagartixa Durante, explicou que o coletivo nasceu, em 2014, para transmitir conhecimentos sobre a capoeira. “E para mostrar a importância dela no contexto histórico, seu papel na resistência cultural”, conta. 

O Legado utiliza a capoeira como instrumento de proteção num contexto de fragilidade social, sendo atividade complementar na vida de crianças, jovens e adultos das comunidades que são cercadas pela violência e a criminalidade. “Ganhar a premiação do FAC para a gente foi um incentivo para dar continuidade, com mais força, a esse trabalho de mais de 18 anos dedicado ao social”.

Corpos negros
Na categoria “Fotografia”, Luiz Ferreira, do Recanto das Emas, colocou em seu formulário de inscrição que “trabalhar com arte em um contexto periférico é também saber adaptar o conhecimento denso e acadêmico para uma linguagem mais dinâmica, que atinja desde a costureira do bairro até a nova geração, que está em constante questionamento de políticas espaciais”. 

O artista premiado diz que sua trajetória foca “nas provocações sobre as políticas do corpo negro e da luta LGBTQIA+, perpassando o espaço-tempo, materialidade, cartografia afetiva, criando pontes e questionamentos.”

[Olho texto=”Ganhar a premiação foi um incentivo para dar continuidade, com mais força, a esse trabalho de mais de 18 anos dedicado ao social ” assinatura=”Thiago Dutra, o Contramestre Lagartixa Durante” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Também do Recanto, na categoria “Grafite”, a artista (foto) Naiana Mendes (Nati) começou a grafitar na adolescência e já acumula 15 anos de vivência de cultura de rua em periferias do DF, do Entorno e de algumas cidades brasileiras. 

“O Prêmios FAC foi na verdade uma surpresa, pois geralmente temos que concorrer na categoria Artes. Acredito que isso se deve à organização e à disponibilidade de artistas do grafite, que estão na linha de frente nas discussões junto ao governo. Hoje, vejo a Secec mais aberta a repassar informação de forma mais simplificada, para que mais artistas periféricos tenham acesso aos processos de seleção”, destacou.

Nati contou que ficou feliz também em ver que amigos do grafite que começaram bem antes dela também ganharam. “É o reconhecimento de uma caminhada, e o prêmio vem num momento em que nós, artistas, não estamos podendo trabalhar. Vai fortalecer muitos de nós.”

Também do “Grafite”, André Oneal, de Ceilândia, endossa que “esse Prêmio se torna o reconhecimento pelo trabalho que há cinco anos faz com crianças a partir da ideia de transformar vidas, cuidando das sementes”. 

André engajou-se na cena do hip-hop, adotando a linguagem dessa arte como sua fonte primária. Em 2012, ele começou a estudar estilos e técnicas, quando seu traço começou a ser notado por diversos atores culturais e sociais do Distrito Federal. Foi considerado o primeiro artista urbano a retratar os traços do famoso urbanista Lucio Costa.

Voluntários
Os artistas contemplados com o Prêmios FAC contaram com a solidariedade de artistas que abriram mão de concorrer ao edital para ajudar, com trabalho voluntário, na seleção dos ganhadores. 

Cirilo Quartim, que trabalha com desenho, pintura, gravura e arte digital, diz que aceitou “com muita honra” o convite de ajudar no processo de seleção. “Considerei esse trabalho voluntário uma oportunidade de contribuir diante de tantas agruras que contrastam com a beleza e a excelência da arte que fazemos na capital.”

Cintia Rosa, 61, gravadora e aquarelista, doutora em Teoria e História da Arte e professora de gravura em metal, na Universidade de Brasília, entre 1993 e 2018, foi na mesma energia: “O voluntariado para mim é natural. Sempre trabalho para a cultura sendo remunerada ou não. Neste ano, o que me moveu foi a situação precária em que a pandemia deixou muitos artistas, uma vez que vivem de seus trabalhos, que não estão sendo executados nem vendidos.  A experiência foi gratificante no ponto em que foi possível contemplar muitos artistas com longo percurso em suas carreiras, assim como aqueles que ainda não tinham recebido nenhum reconhecimento do estado”, anotou.

Parâmetros claro
O músico e jornalista Waldemar Gadelha, na cena artística desde 1978, uniu-se ao time de operadores da arte que pegou nas planilhas para acelerar a seleção dos trabalhos. “Foi enriquecedor. A gente que está acostumado a ficar do outro lado do balcão ajudou na seleção”, contou ele. Gadelha elogiou a Secec por disponibilizar parâmetros “muito claros, muito simples de seguir”. “Isso foi importante porque tenho muitos amigos artistas, não queria julgar e queria ajudar porque são trabalhadores que estão sem trabalho”.

Outra artista solidária, Tereza Padilha, atriz, produtora e gestora do espaço de cultura do Teatro Mapati, onde leciona teatro para jovens e crianças desde 1991, agradeceu a experiência: “Cobrei muito para que o processo de seleção dos prêmios fosse ágil. Todos estavam empenhados. Só tenho que agradecer a equipe que muito somou nesse momento. O secretário Bartô (Bartolomeu Rodrigues) ficou muito próximo dos artistas, muito aberto ao diálogo. Isso me incentivou a me unir ao grupo, a ajudar. Um ‘bravo!’ a todos e todas participantes”.

Falecimento
Apesar de não ter sido notificada pelos familiares, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF tem conhecimento de que, entre os contemplados, existem dois artistas, Remy Portilho (música) e Gisele Lemper (literatura), que estavam doentes e faleceram durante o processo de avaliação. A Secec estuda se há ou não a possibilidade jurídica para o pagamento aos familiares.

* Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec/DF)