04/11/2020 às 17:39, atualizado em 04/11/2020 às 19:38

Por três edições, Leila Diniz foi musa absoluta do Festival de Brasília

Atriz protestou, militou pela educação e encheu de felicidade os bastidores de um dos principais eventos culturais do país

Por Agência Brasília* | Edição: Freddy Charlson

Divulgação: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro

Leila Diniz estava esplendorosa na produção Edu: Coração de Ouro, que participou da II Semana do Cinema Brasileiro, em 1966 | Divulgação: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro

Em 1966, a mulher brasileira contemporânea fazia a sua revolução nas telas do cinema. E nenhum nome representava tão bem esse levante de comportamento contra o machismo do que o de Leila Diniz. Na II Semana do Cinema Brasileiro, que, no ano seguinte, se tornaria o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a musa de todas as estações subiu ao palco do Cine Brasília para a apresentação do filme Todas as Mulheres do Mundo, do cineasta e então companheiro, Domingos de Oliveira. Ali, estreante, arrancava os sapatos e os atiçava para o alto.

Era o sinal de que Brasília podia ser feminina, debochada e progressista. Os sapatos de Leila Diniz voaram sob gritos, gargalhadas e aplausos. Um deles caiu sobre o colo de um espectador que o pegou como se fosse um cobiçado Candango (troféu dado aos premiados). A ex-professorinha e agora atriz não estava para brincadeiras. Ali, descalça e olho no olho com a plateia, erguia seu corpo como arma contra as estruturas arcaicas de poder e de comportamento que amordaçavam o país.

[Olho texto=”“Sobre minha vida e meu modo de viver não faço o menor segredo, sou uma moça livre!”” assinatura=”Leila Diniz” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Naquele ano de 1966, Leila Diniz combinou como ninguém os sentidos da vida. Protestou, militou pela educação e encheu de felicidade os bastidores da Semana de Cinema. Como uma mulher política, integrou a comitiva que se encontrou com autoridades do DF para discutir educação pública. Saiu daqui com uma Menção Honrosa do júri oficial pela atuação em Todas as Mulheres do Mundo. Coube a Helena Ignez, outra beldade, o Candango de Atriz.

Antes do trágico acidente aéreo que a matou em 1972, Leila Diniz voltaria ao Festival de Brasília mais duas vezes. Aportava na capital federal cada vez mais mítica e ícone da liberdade da mulher brasileira. Separada de Domingos de Oliveira, veio em 1967 com Edu, Coração de Ouro (de 1967), filme que teve críticas mornas.

Com luminosidade e carisma, atraía as câmeras da imprensa. Foi vista em eventos paralelos, como em uma cerimônia no Itamaraty e em um badalado encontro de artistas no Iate Clube. Os jornais atribuíram à atriz o papel de ter tirado a edição de um certo marasmo.

[Olho texto=”Com inscrições abertas até 10 de novembro, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro segue sua continuidade na 53ª edição, que acontece de 15 a 20 de dezembro, com exibição no Canal Brasil e streaming Play Brasil. Em apenas dez dias de inscrições abertas, 398 obras foram cadastradas para a seleção das mostras Competitiva e Brasília.” assinatura=”” esquerda_direita_centro=”centro”]

Leila livre, leve e solta

Em 1970, na exibição de Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra, grande vencedor do Candango, a passagem de Leila Diniz por Brasília foi colossal. Ela foi clicada se divertindo na piscina do Hotel Nacional, um dos espaços preferidos dos artistas. Em uma das fotos de Orlando Britto, aparece de biquíni deitada numa cadeira de sol a se espreguiçar de felicidade. A imagem de 1970, um dos piores e mais sangrentos anos da ditadura militar, é uma crônica da vida intensa.

“Naquele ano, as estrelas da festa eram o diretor Ruy Guerra e as atrizes Ana Maria Magalhães e Leila Diniz. Eu era um jovem fotógrafo do jornal O Globo e fui pautado para cobrir o festival. Ia à noite para o Cine Brasília, onde havia as projeções dos filmes e, durante o dia, para o Hotel Nacional. Foi lá que fiz essa foto dos três artistas na piscina”, conta Orlando Brito.

Já em sua quarta edição, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro era um dos raros espaços para debates e contestação ao regime militar. Estava na mira da censura e da repressão. Não demoraria muito para ser interditado entre 1972 e 1974. Leila Diniz, infelizmente, já não estava mais entre nós. Mas sua festa feminina e revolucionária segue viva até os dias de hoje, onde a luta da mulher contra o machismo brasileiro segue no front.

Fontes de pesquisa:

Festival 40 anos, a Hora e Vez do Filme Brasileiro, de Maria do Rosário Caetano.

30 Anos de Cinema e Festival, a História do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, coordenação de Berê Bahia.

– Blog Com a Palavra, a Fotografia, de Orlando Brito.

Pasquim, entrevista de Leila Diniz

Edições do Correio da Manhã, O Globo e Correio Braziliense, de 1966, 1967 e 1970.