21/04/2021 às 14:28, atualizado em 21/04/2021 às 15:56

“Encheu, viu!?”…e é hoje um dos mais belos cartões-postais de BSB

Em aspas, a resposta de JK para quem não acreditou que, no meio daquele deserto, nasceria um lago artificial, previsto desde 1892

Por Alline Martins, da Agência Brasília | EDIÇÃO: ABNOR GONDIM

Carlos Vogado, policial civil aposentado, nasceu há 61 anos na Vila Amaury, que ficou submersa com a formação do lago artificial | Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

[Olho texto=”“O jornalista Gustavo Corção, do jornal O Globo, disse, à época, que o terreno era cheio de pedregulho e arenoso. Por isso, não acreditava que se formaria o lago ali. Quando Juscelino inaugurou a barragem, mandou um telegrama para o jornalista, com a frase: ‘Encheu, viu!?’” assinatura=”Maria Alice Vasconcelos, gerente do Arquivo Público, responsável por pesquisa sobre o Lago Paranoá” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Quem vê o Lago Paranoá ali, servindo de cartão-postal e de lazer para os brasilienses e turistas, talvez nem imagine que uma cidade inteira – ou o que sobrou dela – repousa sob suas águas. Brinquedos, objetos pessoais, utensílios domésticos e até mesmo um ônibus estão enterrados em seus 38 metros de profundidade, sem deixar esquecido que, antes das águas rolarem por ali, milhares de pessoas viveram na chamada Vila Amaury.

O policial civil aposentado Carlos Vogado, 61 anos, nasceu na vila onde moravam aproximadamente 16 mil operários que, assim como seu pai, vieram ajudar a construir os monumentos de Brasília. “Meu pai contava que todos se conheciam e era um lugar muito tranquilo. Nasci lá, pelas mãos da minha avó, que ajudou a fazer muitos partos na vila também”, relembra ele.

Pesquisa do Arquivo Nacional mostra que a construção do lago foi prevista na seleção do projeto da nova capital | Foto: Arquivo Público do DF

Retirada às pressas

Vogado não chegou a morar na Vila Amaury – assim chamada porque, à época, o servidor da Novacap Amaury Almeida era o responsável pelos moradores. Logo em seguida ao seu nascimento, abriram as comportas, e o lago começou a encher. “As famílias precisaram ser retiradas dali depressa e acabou que muitos pertences foram sendo deixados para trás”, conta ele.

Mas, por que a pressa, se o lago levou oito meses para encher? “A barragem foi fechada em 12 de setembro de 1959. Quando começou a encher, o governo pediu que os habitantes da vila se retirassem. Alguns ficaram por não terem para onde ir. Outros por acreditarem que o governo daria um jeito de eles ficarem por ali. Então, saíram no limite e foram deixando as coisas para trás”, conta a gerente de Capacitação do Arquivo Público, Maria Alice Telles de Vasconcelos.

A servidora foi responsável por pesquisa sobre o Lago Paranoá para uma das cinco exposições criadas pelo órgão para celebrar os 61 anos de Brasília, disponível no site do órgão.

[Olho texto=” “Ele está em uma área de proteção ambiental, por ser considerado de alto valor ecológico e paisagístico. Além disso, muitos esportistas se destacaram usando o lago para treinar. E temos a quarta maior frota náutica do país”” assinatura=”Denise Coelho, historiadora e professora da Secretaria de Educação” esquerda_direita_centro=”direita”]

“Temos imagens cedidas por uma empresa de mergulho que mostram pedaços de muro, restos do que um dia teria sido uma fogueira, óculos, muitos objetos pessoais que ajudam a contar a história daquele lugar”, destaca.

Telegrama

E não foram somente os moradores que ficaram incrédulos quanto à formação do grande lago artificial. “O jornalista Gustavo Corção, correspondente do jornal O Globo, disse, à época, que o terreno era cheio de pedregulho e arenoso. Por isso, não acreditava que se formaria o lago ali. Quando Juscelino inaugurou a barragem, mandou um telegrama para o jornalista, com a frase: ‘Encheu, viu!?’”, conta Maria Alice. Segundo a servidora, o Arquivo Público do DF está em busca desse telegrama para compor o acervo do órgão.

Origem antiga

O Lago Paranoá, porém, não foi uma invenção de Juscelino Kubitschek. Foi o botânico francês Auguste François Marie Glaziou o primeiro a perceber o potencial hídrico que alimentava o rio Paranoá. Ele foi um dos integrantes da Comissão Cruls, que visitou a região entre 1892 e 1894.

Conforme lembra Denise Coelho, historiadora e professora da Secretaria de Educação, quando foi lançado o concurso para a escolha do projeto de construção de Brasília, os concorrentes já sabiam que deveriam contemplar um lago.

“Glaziou já vislumbrou o lago como espaço de lazer e embelezamento. Tanto que, quando lançaram o concurso, o projeto vencedor deveria ter um lago com acesso liberado e suas margens deveriam ser preservadas”, complementa Denise.

Meio ambiente e esporte

Hoje, o Lago Paranoá cumpre seu papel. “Ele está em uma área de proteção ambiental, por ser considerado de alto valor ecológico e paisagístico. Tem várias espécies de faunas silvestres, peixes. Tem três ilhas registradas. Além disso, muitos esportistas se destacaram usando o lago para treinar. E temos a quarta maior frota náutica do país”, elenca a historiadora.

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O Lago Paranoá tem cerca de 40km de comprimento, um perímetro de 112km e profundidade de 38 metros. Com o formato de uma tarântula ou de um polvo de cinco braços, cada um deles é um fio d’água, rio, córrego, riacho e ribeirão (Bananal, Torto, Gama, Riacho Fundo/Cabeça de Veado e Paranoá). Ainda tem três ilhas registradas: do Paranoá, dos Clubes e do Retiro.