04/10/2022 às 13:12, atualizado em 06/10/2022 às 10:14

Conscientização sobre sintomas da esclerose múltipla facilita diagnóstico

Doença neurológica pode causar incapacidade motora e intelectual sem o tratamento adequado; mais de 800 pacientes são atendidos pela rede pública de saúde do DF

Por Catarina Loiola, da Agência Brasília | Edição: Carolina Lobo

Brasília, 15 de agosto de 2022 – Quando recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla, em 2017, Ana Paula Morais já havia passado por centenas de tratamentos, exames e medicamentos diferentes. Nenhum, no entanto, revelou o real motivo de tanta fadiga e dificuldade na locomoção. Hoje com 38 anos, recém-completados na quinta-feira (11), a brasiliense aprendeu a conviver com a doença e mobiliza forças para a criação e defesa de políticas públicas em prol de outros pacientes.

[Numeralha titulo_grande=”2.069″ texto=”Quantidade de atendimentos em 2021 e neste ano, entre janeiro e agosto, foram mais de 1.630″ esquerda_direita_centro=”direita”]

Pedagoga por formação e presidente da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla do DF (Apemigos-DF) desde 2017, ela é uma das pacientes do Centro de Referência da Esclerose Múltipla da Secretaria de Saúde (SES), mantido na unidade de neurologia do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Outras 800 pessoas, estimadamente, também têm acesso a medicações e acompanhamentos para controle da doença.

A esclerose múltipla é a enfermidade autoimune do sistema nervoso central que mais acomete jovens adultos, entre 20 e 40 anos, no mundo inteiro. Ainda não há cura e não se sabe a causa. O melhor caminho para o tratamento é o diagnóstico precoce.

Presidente da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla do DF (Apemigos-DF), Ana Paula Morais é uma das pacientes do Centro de Referência da Esclerose Múltipla da Secretaria de Saúde, mantido na unidade de neurologia do Hospital de Base | Fotos: Renato Araújo/Agência Brasília

No caso de Ana, o primeiro sintoma surgiu quando ela tinha oito anos de idade. Diferentemente das outras crianças, ela sentia muita fadiga e fraqueza nas pernas. “Tudo o que fazia parecia que demandava mais energia, demorava em tudo e vivia sempre no hospital, só que sem a suspeita de que tinha uma doença neural”, relembra ela. A descoberta só ocorreu quando Ana perdeu a mãe e ficou com o emocional muito abalado.

[Olho texto=”“Em qualquer pesquisa no Google, a primeira imagem que aparece é uma pessoa com grave incapacidade, e isso não é a realidade. A maioria dos pacientes é totalmente capaz, o que é propiciado pelos tratamentos que vêm avançando. Uma pessoa com esclerose múltipla usar uma cadeira de rodas ou bengalas é resultado de um tratamento tardio ou inadequado, e a grande maioria dos pacientes não se encaixa nesse perfil”” assinatura=”Ronaldo Maciel, neurologista do Centro de Referência no Tratamento da Esclerose Múltipla da SES” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

De acordo com o neurologista membro do Centro de Referência no Tratamento da Esclerose Múltipla da SES Ronaldo Maciel, isso pode ter ocorrido porque a esclerose múltipla é uma doença oportunista. “É uma ação no sistema imunológico que provoca uma autoagressão ao sistema nervoso, ao cérebro e à medula. Quando isso acontece de forma aguda, são chamados de surtos”, afirma.

O especialista acrescenta que a enfermidade deve ser identificada o quanto antes para evitar prejuízos irreversíveis à saúde do paciente. “Não é possível prever que vai acontecer; o surgimento é agudo, portanto todos os nossos esforços são para identificar precocemente a possibilidade de tratar a doença e prevenir a recorrência de outros eventos”, alega Maciel.

Os principais sintomas são distúrbios visuais, embaçamento da vista, manchas, visão dupla, tontura, desequilíbrio, perda da capacidade de um dos membros, perda da capacidade de identificar temperaturas, entre outros. O acúmulo desses episódios imprevisíveis pode provocar incapacidade física, visual e cognitiva.

Com a suspeita da doença, o paciente deve ser encaminhado a um especialista médico. “Dentro da SES, existe o Centro Especializado; e, uma vez confirmado e concluído o diagnóstico, procede a prescrição e é possível conseguir a medicação e outros tratamentos que o paciente pode necessitar, como acompanhamentos psicológicos”, explica Maciel.

Em 2021, houve 2.069 atendimentos relacionados à enfermidade; neste ano, entre janeiro e agosto, foram mais de 1.630. Além disso, são oferecidas sete drogas para o tratamento da doença – medicamentos orais, injetáveis e intravenosos –, fornecidas mediante diretrizes do Ministério da Saúde. “Os medicamentos atuam modulando ou alterando o funcionamento anormal do sistema imunológico, para controlar a inflamação e evitar a disseminação e o acúmulo das lesões”, completa o especialista.

Recomeço

Atualmente, Ana utiliza cinco medicamentos diferentes destinados ao tratamento da esclerose múltipla e de outros problemas decorrentes da enfermidade. “Como é uma doença que ataca jovens, é muito comum que os pacientes desenvolvam depressão. E foi o meu caso. Imagina, você está numa idade produtiva e de repente é excluída no mercado de trabalho. Param de perguntar o que você consegue fazer, começam a supor”, revela ela.

Mas, passados os anos convivendo com a doença e com as limitações impostas, ela aprendeu a lidar com a nova realidade. “A Ana Paula era uma pessoa muito cheia de coisas, e, hoje, continua assim, mas com respeito. Já entendi o meu processo. Quando sinto que não consigo fazer algo ou que naquele dia não vai dar pra sair, aviso, imponho meus limites. Não preciso provar para ninguém que dou conta”, diz ela.

Apemigos realizou uma ação na Câmara Legislativa do Distrito Federal, mostrando os principais sintomas e consequências da esclerose múltipla

“Recebo sempre dos pacientes a pergunta ‘o que vai ser da minha vida agora?”’, fala. “E a resposta, por mais que pareça clichê, é que ‘vai ser o que você decidir’. Há vida depois do diagnóstico, e como ela vai ser, sou eu quem decido e não a doença”, completa Ana Paula.

Sob o mesmo ponto de vista, o médico especialista alega que o estigma social de que os pacientes com esclerose múltipla são incapazes é resultado da falta de conhecimento sobre o assunto. “Em qualquer pesquisa no Google, a primeira imagem que aparece é uma pessoa com grave incapacidade, e isso não é a realidade. A maioria dos pacientes é totalmente capaz, o que é propiciado pelos tratamentos que vêm avançando. Uma pessoa com esclerose múltipla usar uma cadeira de rodas ou bengalas é resultado de um tratamento tardio ou inadequado, e a grande maioria dos pacientes não se encaixa nesse perfil”, afirma Ronaldo Maciel.

Conscientização

Para que mais pessoas tenham conhecimento sobre a doença, foi criada a campanha Agosto Laranja, em 2014, pela associação nacional Amigos Múltiplos pela Esclerose. Na última quinta-feira (11), a Apemigos realizou uma ação na Câmara Legislativa do Distrito Federal, mostrando os principais sintomas e consequências da enfermidade. Parlamentares, assessores e outras pessoas que passaram pelo local visualizaram e sentiram os principais sintomas, que são a fadiga, visão turva e desequilíbrio.

Assim, com mais conhecimento sobre a esclerose múltipla, mais pessoas podem suspeitar dos sinais; consequentemente, haverá aumento no número de diagnósticos precoces. “É uma doença subdiagnosticada, e há um intervalo muito grande entre o início da doença até o diagnóstico fundamentado. Devemos suspeitar mais, reconhecer os sinais e massificar as informações. Temos estrutura e tratamento para o diagnóstico”, conclui Maciel.

Conscientização sobre sintomas da esclerose múltipla facilita diagnóstico