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18/06/2024 às 20:22, atualizado em 18/06/2024 às 20:46
Programa do laboratório biomolecular faz aconselhamento genético aos casais com traços da doença
A anemia falciforme é uma doença hereditária provocada por um defeito genético que acarreta alteração nos glóbulos vermelhos. Assim, eles ganham formato de foice, daí a expressão falciforme. O Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), realiza pesquisas e aconselhamento genético de familiares de pacientes com a doença. O projeto foi incorporado na rotina do laboratório de biologia molecular da instituição.
No laboratório são feitos os testes para o diagnóstico confirmatório de várias doenças, como a anemia falciforme, identificadas na triagem neonatal, após ampliação do teste do pezinho. Em 2016, foi iniciado um programa de pesquisa no HCB com auxílio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e investimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), que permitiu o desenvolvimento de uma metodologia que investiga a fenotipagem (diferentes grupos sanguíneos), aumenta a precisão e torna conclusivos os diagnósticos iniciais do teste do pezinho.
Hoje, a maioria das alterações genéticas já pode ser identificada na triagem neonatal. Quando é difícil dizer qual é a alteração genética é que se aplica a metodologia do diagnóstico da investigação por meio da fenotipagem. A bióloga Larissa Cavalcante, do laboratório de pesquisa translacional do HCB, está concluindo o doutorado sobre hemoglobinopatias (doenças encontradas nos glóbulos vermelhos) e o diagnóstico molecular. O projeto de pesquisa dela evita que o paciente chegue à adolescência sem um diagnóstico conclusivo.
“A biologia molecular é de suma importância para fazer um diagnóstico confirmatório de doença falciforme, anemia falciforme e outras hemoglobinopatias (doenças genéticas identificadas nos exames do sangue), uma vez que se trata de um problema grave de saúde pública”, pontua Larissa. A pesquisadora diz que, “a partir de um diagnóstico confirmatório de um paciente, pode-se fazer um aconselhamento genético nos casos prevalentes nos casais que têm o traço falcêmico e, assim, pode-se evitar, no Brasil e no mundo, que nasçam novos portadores de doença falciforme”.
De 2018 até julho de 2023, foram recebidos pelo HCB, provenientes da triagem neonatal, 323 amostras de pacientes e familiares para o estudo. Excluindo as amostras dos pais, 232 pacientes foram analisados e 80% tiveram os laudos concluídos. Os outros 20% tiveram resultados inconclusivos pelas metodologias adotadas na pesquisa.
“O projeto deu muito certo. Hoje, utilizamos não mais como um projeto de pesquisa, ele já foi inserido na rotina do laboratório, então, fazemos um diagnóstico, liberamos o laudo e, o que é o melhor, entregamos um diagnóstico conclusivo, definitivo para o paciente”, comemora a pesquisadora.
Daniel de Jesus teve o diagnóstico de anemia falciforme aos 9 meses de vida e, desde então, é atendido no Hospital da Criança, onde realiza transfusão de sangue para manutenção. Aos 16 anos, o menino aguarda com ansiedade o dia do transplante de medula óssea, cujo doador será o próprio irmão. “Depois que eu fizer o transplante de medula óssea posso ficar até curado. Estou otimista”, diz Daniel.
Qualidade de vida
O Programa de Anemia Falciforme do Hospital da Criança mantém 1.499 pacientes registrados ー 894 estão em acompanhamento e 61 fazem regularmente transfusão de sangue. Outros 49 pacientes fazem terapia quelante para sobrecarga de ferro. O HCB realizou com sucesso 8 transplantes de medula óssea em pacientes com a doença e todos seguem sem manifestação de retorno da enfermidade. Além disso, 383 pacientes já fazem uso do medicamento Hidroxiuréia, que tem apresentado excelentes resultados.
A médica hematopediatra e diretora técnica do HCB, Isis Magalhães, diz que a Hidroxiuréia assegura qualidade de vida aos portadores da doença. “A Hidroxiuréia aumenta a hemoglobina fetal e diminui os sintomas da anemia falciforme”.
“Nós, aqui no HCB, já fazemos uso há muito tempo e, agora, os estudos demonstram que pode-se iniciar o mais cedo possível”
Isis Magalhães, diretora técnica do HCB
O Ministério da Saúde disponibiliza o remédio depois de incluir na política de assistência farmacêutica. “Nós, aqui no HCB, já fazemos uso há muito tempo e, agora, os estudos demonstram que pode-se iniciar o mais cedo possível. Uma portaria do Ministério da Saúde recomenda que se adote a medicação desde os nove meses de idade, antes da criança apresentar alterações no quadro de saúde”, comenta a pediatra.
Luana Corrêa dos Santos, 45 anos, fonoaudióloga, tem doença falciforme e faz tratamentos com Hidroxiuréia. Ela conseguiu diminuir, consideravelmente, as dores. “Aos 9 meses de vida fui identificada com a doença e, desde o início, o prognóstico era difícil”, diz. “Cresci com a realidade de que ia morrer a cada cinco anos, cresci com as complicações da doença falciforme. Tive necrose do quadril, crises de dores na infância, recebi muitas transfusões de sangue. Meus pais buscaram muita ajuda nos tratamentos, mas, tudo mudou quando fui encaminhada ao SUS, em 2010, e passei a usar Hidroxiuréia. Praticamente mudou a minha vida, não sinto mais tantas dores. Consegui até concluir meu mestrado”, conta a fonoaudióloga.
O Hospital da Criança também tem adotado como procedimento no acompanhamento dos pacientes, o doppler transcraniano. “Foi uma grande aquisição e a indicação se baseia num estudo que faz uma previsibilidade de risco de um acidente vascular isquêmico (AVCI) encefálico na criança. Esse exame verifica a velocidade de fluxo sanguíneo da artéria cerebral média. Nas crianças que apresentam um exame anormal, repetimos um mês depois e, se persistir a anormalidade, esses pacientes são incluídos no programa de transfusão de sangue de forma regular. É uma profilaxia primária do AVC que realizamos desde os dois anos de vida das crianças inscritas no programa de AF e, anualmente, repetimos esse exame”, conclui a médica.
Cura
Isis Magalhães ressalta que a anemia falciforme já apresenta índices de cura com o transplante de medula óssea (TMO). “Nós já começamos a executar esses transplantes aqui no Hospital da Criança de Brasília, e estamos com 8 crianças transplantadas, todas estão muito bem e sem a doença. Nós já podemos falar em cura”, adianta.
Em 2015, foi criada uma portaria do Ministério da Saúde que, reformulada em 2018, previu o transplante de medula óssea alogênico (de doador), e permitiu a inclusão na tabela do SUS dos critérios a serem observados para o transplante de medula óssea em pacientes com doença falciforme.
Elvis Silva Magalhães foi um dos primeiros pacientes no país com anemia falciforme a passar por um transplante de medula óssea, há 19 anos. Em conjunto com representantes da sociedade, orquestrou uma campanha para viabilizar o transplante em pacientes como ele.
A história de Elvis virou o livro Quatro Décadas da Lua Minguante, em que narra a própria trajetória por meio de crônicas. De forma delicada, o autor fala da vida até comemorar a cura da doença, aos 38 anos de idade, depois do transplante de medula óssea.
“Quando eu transplantei, fiquei livre de todos os sintomas. Hoje estou curado. Antes do teste do pezinho as crianças morriam sem que os pais soubessem o motivo. Agora, quando as crianças são diagnosticadas, imediatamente são encaminhadas ao Hospital da Criança e os pais orientados a observar os sintomas de risco”, aponta Elvis Magalhães.
*Com informações do HCB