Rappers não usam eu-lírico. Por isso, quando Majestoza, de 18 anos, canta “o rap me resgatou, pode te salvar também” é da própria história que ela está falando. Egressa da Unidade de Internação de Santa Maria (UISM), ela viu a vida ganhar um novo rumo, por meio da música, graças a um projeto que leva o nome do ritmo: Rap – Ressocialização, Autonomia e Protagonismo. “Quando a gente se envolve com o crime, acha que não tem mais solução, que é o fim, que vai viver daquilo para sempre. Mas, graças ao projeto, consegui ver a vida de outra forma”, destaca a rapper, poeta e atriz.
A iniciativa que mudou a trajetória de Majestoza também levou a UISM a um outro patamar. O núcleo de ensino da unidade está concorrendo ao prêmio Melhores Escolas do Mundo, na categoria Superando Adversidades. Depois de ser selecionado entre ações de todo o planeta, o local chegou aos dez finalistas e, agora, disputa o título no voto popular, sendo o único brasileiro na categoria.

O núcleo de ensino da Unidade de Internação de Santa Maria (UISM) está concorrendo ao prêmio Melhores Escolas do Mundo, na categoria Superando Adversidades | Fotos: Tony Oliveira/Agência Brasília
O projeto Rap começou em 2015, idealizado pelo professor de história da Secretaria de Educação Francisco Celso Leitão Freitas, 44 anos. “Quando eu vim para o socioeducativo, sabia que tinha que fazer algo diferente, porque esses jovens já haviam passado por escolas regulares. Não podia fazer mais do mesmo, pois estaria fadado ao fracasso. Fiz um diagnóstico e tive duas grandes percepções: que os jovens aqui tinham perdido a capacidade de sonhar, era preciso resgatar a autoestima, e, nas aulas de história, percebi que eles não se enxergavam nas histórias narradas nos livros didáticos, mas se identificavam com as letras de rap”, lembra.
Francisco Celso celebra mais uma conquista com o projeto. “Colocar o núcleo de ensino da Unidade de Internação de Santa Maria entre as 10 melhores escolas do mundo, por meio do projeto RAP, para mim significa desconstruir a visão negativa que é reproduzida pelo imaginário social, de que no socioeducativo tem meninos e meninas problemáticos, enquanto na verdade tem meninos e meninas com muitos problemas, mas que acima de tudo são potências. A juventude não é o problema do nosso país, a juventude é a solução”, destaca.
Desde então, a iniciativa coleciona prêmios – são mais de 20 – e obras lançadas, entre CDs, livros e produções audiovisuais. Francisco Celso estima que mais de 1.500 socioeducandos já tenham sido assistidos pelo Rap. Contudo, números e títulos, ele garante, não são o mais importante. “Não é um projeto assistencialista, é um projeto de emancipação. Não estou preocupado com números, estou preocupado com o impacto, com a transformação da trajetória de vida. Com o qualitativo, mais do que com o quantitativo”.
O diretor da unidade de internação, Lucian Rocha pontua a importância da iniciativa na ressocialização dos jovens: “Por se tratar de um projeto cultural, tem bastante engajamento. Como a maioria [dos socioeducandos] vem de periferia e o rap é o que mais ouvem, há bastante adesão e, com isso, o impacto é bastante positivo, inclusive na permanência no projeto”.

Mais de 1.500 socioeducandos já foram assistidos pelo projeto Rap