Quando Lucio Costa propôs o Plano Piloto da Nova Capital, em 1956, o urbanista imaginou um cinema a cada quatro quadras das asas Norte e Sul, dentro das chamadas Unidades de Vizinhança. O projeto vingou apenas no chamado Quadrilátero Modelo, que abrange as quadras 107, 108, 307 e 308 Sul, onde nasceu o Cine Brasília (EQS 106/107).
Localizado na EQS 106/107, Cine Brasília é o único cinema de rua do DF, além de ser a maior sala de cinema do Brasil em atividade | Fotos: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
Com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, o local foi o primeiro equipamento público cultural da cidade, aberto em 22 de abril de 1960, um dia depois da inauguração de Brasília. Hoje, é o único cinema de rua do Distrito Federal, além de ser a maior sala de cinema do Brasil em atividade, com capacidade para atender 620 pessoas.
Ao longo dos anos, o espaço viveu altos e baixos – para além do tradicional Festival de Brasília do Cinema Brasileiro –, seja pela falta de programação contínua, seja pela estrutura que foi se deteriorando com o tempo. Mas, como uma joia, sobreviveu às mudanças temporais.
Nos últimos anos, se modernizou, com reformas que melhoraram o espaço e trouxeram mais tecnologia, acessibilidade e conforto, e ampliou o acesso ao público, com programação ampla, regular e acessível definida por uma gestão compartilhada entre o Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), e uma organização da sociedade civil (OSC).
“O Cine Brasília vai completar 65 anos, mas pelo funcionamento intermitente que teve ao longo do tempo precisou ser reposicionado e reconstruído em sua história, o que vem acontecendo nos últimos anos”, explica Sara Rocha, diretora do Cine Brasília.
“Estamos nesse processo de reposição para que ele seja redescoberto e integrado à rotina de lazer das pessoas, já que foi originalmente desenvolvido para ser uma sala de cinema pública com programação de qualidade a preços populares e uma alternativa às grandes cadeias, trazendo ao entretenimento camadas de reflexão”, revela.
Sara Rocha: “O Cine Brasília vai completar 65 anos, mas pelo funcionamento intermitente que teve ao longo do tempo precisou ser reposicionado e reconstruído em sua história, o que vem acontecendo nos últimos anos”
Memória afetiva
Símbolo da resistência cultural da cidade, o espaço é um marco da memória afetiva de quem cresceu na capital. A pesquisadora de audiovisual Daniela Marinho, 40 anos, começou a frequentar o Cine Brasília na adolescência. Hoje, ela tem o cinema como seu ofício. É produtora-executiva e de atividades formativas do local. “Sempre foi o meu cinema favorito. Não tinha muitos amigos na escola, então era meu lugar de fuga, respiro, sonho, alento e, de certa forma, de conexão com o meu pai, que, na infância em Anápolis, de família adventista, fugia para ir ao cinema”, lembra.
“Acho que me encantei pelo cinema brasileiro dentro do Cine Brasília. Foi o que me fez fazer Comunicação Social com habilitação em Audiovisual na UnB, pesquisar o cinema brasiliense e começar a trabalhar com mostras e exibições. Então, trabalhar aqui é, de fato, a realização de um sonho. É como se a cobra mordesse o próprio rabo, um símbolo de continuidade”, define.
Um dos mais respeitados documentaristas brasileiros, Silvio Tendler, 75 anos, tem uma relação próxima com o local. “Desde o começo na minha carreira de cineasta tenho uma ligadura muito forte com o Cine Brasília. Comecei a frequentar os Festivais de Cinema de Brasília nos anos 1970, assim que voltei para o Brasil e, além de cinema, o palco se tornou espaço de grandes encontros e debates de cineastas de todo o país”, relembra Silvio.
