Pesquisa apoiada pela FAPDF ajuda na busca por espécies resilientes às mudanças climáticas
Na fronteira entre o Cerrado e a Amazônia, um dos biomas mais afetados pelo desmatamento, um grupo de pesquisadores e coletores de sementes se uniu em torno de um mesmo propósito: restaurar ecossistemas degradados de forma sustentável, combinando ciência, tecnologia e conhecimento tradicional. O estudo faz parte da iniciativa Amazônia +10, criada em 2022 para incentivar projetos interinstitucionais de pesquisa sobre sustentabilidade e adaptação climática. Com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), a iniciativa reúne instituições do Distrito Federal, Mato Grosso e Rio de Janeiro em um esforço conjunto pela restauração ecológica da Amazônia mato-grossense. O projeto, intitulado Integrando conhecimentos locais e ciência em busca de soluções para a restauração ecológica frente às mudanças climáticas na Amazônia mato-grossense, é coordenado pela professora Isabel Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o pesquisador Daniel Luis Mascia Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e conta ainda com a colaboração de equipes da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Isabel Schmidt: "Nosso foco é encontrar espécies capazes de resistir às mudanças climáticas e fortalecer as redes comunitárias que fazem da restauração uma fonte de renda e conservação ambiental” | Fotos: Divulgação/FAPDF “A proposta nasceu da vontade de conectar o conhecimento científico com a experiência prática dos coletores de sementes da Amazônia mato-grossense. Nosso foco é encontrar espécies capazes de resistir às mudanças climáticas e fortalecer as redes comunitárias que fazem da restauração uma fonte de renda e conservação ambiental”, explica Isabel Schmidt. Investimento em ciência e sustentabilidade O projeto tem duração de 36 meses e orçamento total de R$ 830 mil, dos quais R$ 110 mil são provenientes da FAPDF. O financiamento permitiu deslocamentos da equipe do Distrito Federal para a região amazônica, aquisição de insumos laboratoriais, coleta de sementes e análise de germinação e plântulas, pequenas plantas em estágio inicial de crescimento. A linha de apoio integra os esforços da fundação para estimular a pesquisa colaborativa entre estados e consolidar o papel do Distrito Federal na agenda de inovação e sustentabilidade nacional. “O apoio da FAPDF foi fundamental para que a equipe de Brasília pudesse atuar diretamente com as comunidades, garantindo o intercâmbio entre ciência e saber tradicional”, reforça Isabel Schmidt. "Apoiar projetos como este é investir em soluções sustentáveis que unem conhecimento local, inovação e conservação — pilares essenciais para o futuro do Cerrado e dos demais biomas do país" Leonardo Reisman, presidente da FAPDF Para o presidente da FAPDF, Leonardo Reisman, o projeto simboliza o compromisso da fundação com a ciência aplicada à sustentabilidade e à valorização dos povos da Amazônia: “A FAPDF acredita que a pesquisa científica deve dialogar com quem vive e protege o território. Apoiar projetos como este é investir em soluções sustentáveis que unem conhecimento local, inovação e conservação — pilares essenciais para o futuro do Cerrado e dos demais biomas do país. Cuidar da ciência é cuidar da vida: das florestas, das águas e do ar que respiramos. É pensar nas próximas gerações e na responsabilidade que temos com o futuro da humanidade”, afirmou Reisman. Sementes que guardam o futuro da floresta A pesquisa parte de uma realidade urgente: o avanço da degradação florestal no chamado Arco do Desmatamento, no norte do Mato Grosso, e a necessidade de restaurar as matas ciliares — faixas de vegetação nativa que protegem rios, lagos e nascentes — e outras áreas de preservação permanente. Para isso, o projeto investiga espécies nativas com potencial de adaptação a cenários climáticos futuros, usando abordagens científicas de ponta, como a modelagem de distribuição potencial de espécies (SDMs, do inglês Species Distribution Models), que indica as regiões onde cada espécie poderá sobreviver diante do aumento da temperatura e da redução das chuvas. As análises incluem atributos morfoanatômicos e ecofisiológicos das plantas — ou seja, características ligadas à estrutura das folhas e tecidos vegetais, à forma como realizam a fotossíntese e à capacidade de resistir à escassez de água. As sementes analisadas são coletadas pela Rede de Sementes do Portal da Amazônia (RSPA), cooperativa de agricultores familiares e organizações locais que atua na produção e comercialização de sementes florestais nativas. Oficina de trabalho junto a Rede de Sementes Portal da Amazônia (RSPA) em setembro de 2025 Durante o estudo, foram realizados testes de germinação e quebra de dormência em diferentes condições experimentais — em laboratório e em casa de vegetação — para identificar o desempenho das espécies e aprimorar técnicas de restauração ecológica. A quebra de dormência é um processo utilizado para “despertar” sementes que permanecem em repouso natural, mesmo em condições favoráveis ao crescimento. Por meio de técnicas controladas, como variações de temperatura, escarificação da casca ou imersão em água, os pesquisadores estimulam a germinação, reproduzindo os fatores que a planta encontraria na natureza. As análises também incluíram o acompanhamento do desenvolvimento das plântulas — pequenas plantas em estágio inicial de crescimento, que surgem logo após a germinação e antecedem a formação das mudas —, permitindo avaliar o vigor e o potencial de adaptação das espécies. Daniel Vieira: "As redes de sementes têm papel essencial na restauração ecológica, pois unem geração de renda e preservação ambiental" “As redes de sementes têm papel essencial na restauração ecológica, pois unem geração de renda e preservação ambiental. Nosso objetivo é oferecer subsídios científicos para que o trabalho dessas comunidades se torne ainda mais eficiente e sustentável”, destaca Daniel Vieira, pesquisador da Embrapa. O método de semeadura direta, que consiste em lançar as sementes diretamente no solo, é uma das principais apostas do grupo. Apesar de mais simples e de menor custo, ele exige rigor técnico para garantir a germinação e o estabelecimento das plantas, especialmente em ambientes com gramíneas exóticas invasoras, espécies de capins trazidas de outros países que se espalham rapidamente e competem com as plantas nativas por luz, água e nutrientes. Por isso, o projeto também testa novas técnicas de armazenamento, beneficiamento e germinação, buscando reduzir as perdas e aumentar a diversidade de espécies utilizadas. Restauração ecológica Além dos resultados científicos já alcançados, a pesquisa mantém foco na continuidade das ações e na disseminação do conhecimento. Com olhar voltado para o futuro, o projeto prevê a ampliação da base de dados na plataforma WebAmbiente, o maior repositório nacional de informações sobre espécies nativas mantido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e pela Embrapa. O estudo também contribui para a elaboração de um catálogo de espécies comercializadas pela Rede de Sementes do Portal da Amazônia O estudo também contribui para a elaboração de um catálogo de espécies comercializadas pela Rede de Sementes do Portal da Amazônia, com informações técnicas, imagens e dados de germinação que auxiliam coletores, restauradores e gestores ambientais. Essas informações fortalecem debates sobre políticas públicas de adaptação climática e restauração florestal, especialmente no âmbito do Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). [LEIA_TAMBEM]Ao articular ciência, conhecimento tradicional e gestão ambiental, o projeto busca consolidar um modelo sustentável de restauração ecológica, capaz de orientar decisões futuras e inspirar novas práticas voltadas à conservação e ao uso responsável da biodiversidade amazônica. Sobre a Amazônia +10 Lançada pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), a iniciativa Amazônia +10 é um programa nacional que fortalece a pesquisa científica voltada à sustentabilidade, conservação e valorização da Amazônia. O programa fomenta projetos interinstitucionais de grande escala, que unem diferentes fundações de amparo à pesquisa (FAPs) estaduais e promovem a cooperação entre universidades, centros de pesquisa e comunidades locais. Ao apoiar iniciativas integradas, a Amazônia +10 busca gerar soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável da região e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. *Com informações da FAPDF
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Livro sobre a loba-guará Pequi é lançado no Zoo Brasília
Além da programação especial para o Dia das Crianças, o Zoológico de Brasília celebrou o Dia Nacional do Lobo-guará, no dia 12 de outubro, com o lançamento do livro Pequi e o Cerrado Voador. A obra convida o leitor a mergulhar em uma aventura poética pelo Cerrado. No enredo, os animais do bioma enfrentam o desafio de atravessar uma imensa faixa de pedra que ameaça a sobrevivência da fauna e da flora locais: a tão temida estrada. O destaque do livro é Pequi, uma loba-guará que habita os campos de capim alto e se une a outros animais, plantas e humanos para proteger o Cerrado. Ao longo da história, os personagens trilham uma jornada de resistência e esperança. Mais do que uma narrativa sobre superação, o livro desperta a reflexão sobre a importância da cooperação e da preservação ambiental. A publicação é fruto de uma parceria entre a associação civil A Vida no Cerrado (Avinc) e a ONG Jaguaracambé (Associação para Conservação da Biodiversidade). A personagem principal do livro foi inspirada na história real de uma loba-guará chamada Pequi, que perdeu a vida em uma rodovia após uma trajetória de resgate e superação. “A história da Pequi nos ensinou muito sobre resiliência e sobre o poder da união em torno da conservação da biodiversidade e da manutenção do Cerrado”, afirma Ana Paula Nunes de Quadros, presidente da ONG Jaguaracambé. Quem foi Pequi? Pequi foi uma loba-guará resgatada ainda filhote após perder a mãe. Ela tornou-se um símbolo dos esforços de reabilitação e de conservação da fauna do Cerrado. Depois de meses de cuidados intensivos realizados pelo Zoológico de Brasília, pela ONG Jaguaracambé e pelo Parque Vida Cerrado, Pequi foi preparada para retornar à natureza. Durante o processo de readaptação, Pequi viveu em um recinto especialmente construído, onde aprendeu a caçar, reconhecer frutos do Cerrado e se comportar como uma loba selvagem. Pequi voltou à natureza depois de passar por cuidados no Zoológico, mas acabou atropelada | Foto: Vinícius Rozendo Viana/Zoológico de Brasília “O Zoológico guarda uma história muito bonita com a Pequi. Ela chegou ao Zoo junto com os irmãos, em 2020, com menos de 20 dias de vida”, recorda Ana Raquel Gomes Faria, assessora da Superintendência de Conservação do Zoológico de Brasília. “Ela era a menor da ninhada, mas sempre respondia bem ao manejo e ao processo de reabilitação, mostrando uma grande força e vontade de viver e, principalmente, uma vontade de retornar ao ambiente natural, como foi proposto desde o início”, acrescenta Ana Raquel. A soltura de Pequi ocorreu em abril de 2023. Ela mostrou força e instinto de sobrevivência por meses, mas foi atropelada em uma rodovia, revelando a difícil realidade que as espécies do Cerrado enfrentam diante da expansão urbana. Apesar da breve vida, Pequi conseguiu reforçar a importância das ações de conservação e educação ambiental Apesar da breve vida, Pequi conseguiu reforçar a importância das ações de conservação e educação ambiental, bem como a necessidade de medidas concretas para a redução do impacto das estradas para a flora e a fauna silvestre. “A Pequi nos mostrou o quanto é possível criar alianças entre os seres humanos e outros animais. Ela foi cuidada por vários profissionais ao longo da vida e esse vínculo continua vivo no livro. É uma forma de imaginar a Pequi livre e viva, caminhando pelo Cerrado e lutando, ao lado de outras espécies, por um Cerrado contínuo e saudável para todos”, afirma Dodó Riberiana, co-coordenadora do Núcleo de Educação Socioambiental da Avinc. O livro está disponível em versão online. *Com informações do Zoológico de Brasília
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Pesquisa apoiada pela FAPDF analisa efeitos do combate químico a incêndios florestais
Em um cenário de queimadas cada vez mais longas e severas, o Projeto Prometeu DF reúne ciência, tecnologia e operação em campo para responder a uma questão central: quando (e como) o uso de retardantes químicos faz sentido no combate a incêndios florestais — e quais impactos essa escolha traz ao ambiente. A iniciativa é coordenada pelo professor Carlos Henke de Oliveira, do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), por meio do edital Demanda Espontânea (2021). Retardantes químicos de chamas são produtos adicionados à água para aumentar a eficiência no combate ao fogo. Eles reduzem a propagação ou a intensidade das chamas, funcionando como aliados de brigadistas e bombeiros — mas também trazem potenciais impactos ambientais que precisam ser monitorados. Incêndios são fenômenos complexos que exigem leitura integrada da paisagem, do clima, da tecnologia e da operação | Foto: Divulgação/Fepecs Henke é biólogo formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde concluiu mestrado e doutorado em Ecologia. A trajetória interdisciplinar dele combina ecologia de paisagens, meteorologia aplicada e desenvolvimento tecnológico, incluindo experiências com fotografia aérea, eletrônica e até formação como piloto de avião. Esse mosaico de saberes, amadurecido desde os anos 1990, orienta hoje uma visão prática: incêndios são fenômenos complexos que exigem leitura integrada da paisagem, do clima, da tecnologia e da operação. O nome do projeto, Prometeu DF, foi inspirado no titã da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses para entregá-lo à humanidade. No projeto, o fogo simboliza o conhecimento aplicado: a pesquisa que nasce na universidade e se transforma em ferramenta prática para quem enfrenta os incêndios diariamente. “Não é só a universidade que ensina; ela também aprende com a experiência de brigadistas, bombeiros e instituições ambientais”, explica Henke. O projeto conta com a colaboração do Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF), do Ibama/Prevfogo, do ICMBio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), integrando pesquisa e prática de campo. Tecnologias e experimentos Impacto ambiental: efeitos da fitotoxicidade do boro, que provocou a mortalidade do estrato rasteiro e arbustivo do Cerrado O Prometeu DF desenvolveu sistemas embarcados — dispositivos eletrônicos compactos que funcionam como “mini-laboratórios portáteis”, acoplados a drones, aeronaves ou equipamentos de brigadistas. Eles registram dados a cada dois segundos, como temperatura, poluentes, imagens termais e condições de operação, revelando detalhes invisíveis ao olho humano. As principais famílias são: Prometeu (acoplada a drones, mede temperaturas da atmosfera e do solo, sobrevoando as chamas em coordenação com aeronaves de combate); Saphira (seis dispositivos distintos, para aeronaves ou uso por pesquisadores em solo, coletando gases, parâmetros meteorológicos e imagens infravermelhas) e Obá (acoplada a bombas costais, registra condições atmosféricas e mapeia com precisão o lançamento de água ou retardantes durante o combate). Outro destaque é a mesa de combustão Osíris, uma câmara de grandes dimensões que simula queimadas lado a lado: um setor com combustível puro e outro tratado com retardantes. Com câmeras termais e sensores de peso, permite rodar várias queimas por dia, descartando rapidamente produtos ineficazes e economizando tempo, recursos e riscos em campo. Visão aérea de experimento do Projeto Prometeu, evidenciando a diferença no combate às chamas Os experimentos se distribuem em três frentes: combate indireto (aplica retardante com 24h de antecedência, isolando o efeito químico), combate direto terrestre (compara, em linhas de fogo idênticas, retardante e água, registradas por drones) e combate aéreo (testes com aeronaves do CBMDF, como o modelo AT802F, equipadas com telemetria e câmeras para medir precisão, distribuição e efeito sobre as chamas). Segurança ambiental A efetividade dos retardantes é sempre avaliada por comparação. No combate direto, por exemplo, a água já é um excelente retardante físico, exigindo desenhos experimentais rigorosos para medir se o produto químico realmente traz ganhos. Quanto à segurança ambiental, a constatação é clara: produtos mais eficazes tendem a ser mais impactantes, pois exigem maior carga química. Entre os efeitos comuns estão a morte de herbáceas e arbustivas e mudanças na dinâmica da vegetação, às vezes favorecendo espécies exóticas. “O impacto ambiental do retardante é inevitável. Ele pode ficar restrito a uma escala local, mas sua magnitude é alta e precisa ser considerada”, ressalta Henke. O Prometeu DF recomenda evitar o uso em áreas sensíveis ou com recursos ecológicos raros Como diretriz, o Prometeu DF recomenda evitar o uso em áreas sensíveis ou com recursos ecológicos raros — e, se inevitável, exigir monitoramento e mitigação. Em áreas de matriz produtiva (agricultura, silvicultura, pastagens exóticas, bordas ruderais), o uso pode ser considerado com critérios claros e registro. Já próximo a corpos d’água, os lançamentos devem ser proibidos, com rastreabilidade para prevenir falhas. Impacto científico Para transformar a experiência prática em aprendizado, o Prometeu desenvolveu um protocolo de registro do uso de retardantes, reunindo dados sobre segurança, desempenho das equipes, aeronaves e efetividade. A ideia é acumular evidências e permitir que agências como o Ibama avaliem avanços ou falhas em operações passadas. “A ausência de registros compromete o aprendizado coletivo”, reforça Henke. O Distrito Federal desponta como um “laboratório vivo” nesse esforço. A região dispõe do avião AT802F, capaz de lançamentos localizados e precisos — mas, sozinho, ele não resolve. “Se a frente de fogo sofre redução, mas não é combatida por equipes terrestres, o problema volta, às vezes pior”, alerta Henke. Por isso, a integração entre brigadas e operação aérea é essencial. O diferencial do Prometeu é analisar eficiência e impacto ambiental simultaneamente, superando posições extremas O diferencial do Prometeu é analisar eficiência e impacto ambiental simultaneamente, superando posições extremas. “Se não fizermos isso, caímos num cabo de guerra entre quem considera o retardante a solução definitiva e quem o rejeita de forma absoluta. Nenhuma dessas visões condiz com a realidade dos combatentes, com o orçamento público ou com a base científica disponível”, afirma Henke. As decisões também devem variar conforme o bioma: no Cerrado, o uso pode ser autorizado sob regras claras; em várzeas, veredas e no Pantanal, deve ser proibido; e, na Amazônia, ainda exige respostas a questões preliminares. “O fogo pode até ser extinto, mas o problema não acaba ali: pode se tornar ecológico, social, político e econômico ao mesmo tempo”, completa. Além dos artigos científicos, o projeto investe em documentários para ampliar o alcance social. O filme "Incêndios, poluição e Ciência Cidadã no Distrito Federal", sobre a qualidade do ar no DF, teve grande engajamento e inspirou cidadãos e instituições a criarem novas estações de monitoramento. Próximos passos O projeto se diferencia por estudar o combate, e não apenas o fogo, utilizando instrumentação de alta frequência e avaliando, em conjunto, eficiência e impacto ambiental Entre 2020 e 2022, a pandemia e a suspensão de licenças de queima atrasaram ensaios de campo. Em 2018, a primeira licença científica levou sete meses para ser emitida — demora que, por ser inédita, abriu caminho para fluxos mais ágeis nos anos seguintes. Essas experiências reforçaram o caráter inovador do Prometeu, que se diferencia por estudar o combate, e não apenas o fogo, utilizando instrumentação de alta frequência e avaliando, em conjunto, eficiência e impacto ambiental. O projeto optou por não patentear os sistemas embarcados, priorizando a divulgação aberta de métodos e achados. O objetivo é consolidar uma base metodológica robusta que sustente a futura regulamentação nacional sobre o uso de retardantes em incêndios florestais, diante das tecnologias atuais e das que ainda possam surgir. Rede de parceiros A UnB lidera o Prometeu com participação de alunos e pesquisadores de Biologia, Ciências Ambientais e Engenharia Florestal, em colaboração com a UFMS, a UFPR, o Prevfogo/Ibama e o ICMBio. Brigadistas atuaram em campo e no pátio, como no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em 2020. [LEIA_TAMBEM]A FAPDF tem sido decisiva desde 2016, quando apoiou a fase inicial do projeto, e novamente em 2021, pelo edital Demanda Espontânea. Os recursos viabilizaram experimentos de campo e laboratório, a construção de dispositivos eletrônicos, análises químicas de solo e plantas e mapeamentos sistemáticos com drones — além do acompanhamento de queimadas controladas e incêndios reais. Para o presidente da Fundação, Leonardo Reisman, a iniciativa exemplifica como a pesquisa aplicada transforma realidades: “O Projeto Prometeu mostra como o conhecimento científico pode embasar decisões estratégicas no combate a incêndios florestais. É um exemplo de ciência produzida no Distrito Federal dialogando diretamente com a sociedade e fortalecendo a preservação da nossa biodiversidade.” Mais informações sobre o Projeto Prometeu DF estão disponíveis no site *Com informações da FAAP-DF
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Estudantes do sistema prisional apresentam projetos de tratamento de água no Circuito de Ciências do DF
Uma página inédita foi escrita na história da 14ª etapa regional do Circuito de Ciências da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF), que acabou na última sexta-feira (12). Pela primeira vez, estudantes do sistema prisional do DF participaram da competição científica. Os protagonistas dessa conquista histórica são alunos do Centro Educacional (CED) 01 de Brasília que estudam na Penitenciária IV (PDF-IV), no Complexo da Papuda. Matriculados no terceiro segmento da terceira etapa da Educação de Jovens e Adultos (EJA), os estudantes desenvolveram dois projetos focados no tratamento e purificação da água. Eles foram apresentados na etapa regional da Coordenação Regional de Ensino (CRE) do Plano Piloto. A temática do 14º Circuito de Ciências foi a preservação da água | Fotos: Mary Leal/ SEEDF O primeiro projeto, intitulado Moringa Oleifera, uma Alternativa para o Tratamento da Água, foi desenvolvido por cinco alunos. A pesquisa explora o uso das sementes da moringa oleifera como agente natural de floculação, substituindo produtos químicos convencionais no processo de purificação da água. “A moringa oleifera tem substâncias químicas que auxiliam na floculação da água. Quando temos aquela água barrenta, adicionamos um floculante para que as partículas de sujeira se aglutinem e desçam para o fundo”, explica a professora Gabriela Cristiana Oliveira, que há sete anos leciona no CED 01 de Brasília e atua no complexo penitenciário. O segundo projeto, Ciência e Cidadania na EJA: Filtro Caseiro e SODIS para a melhoria da qualidade da água, foi desenvolvido por cinco estudantes da segunda etapa. O trabalho propõe soluções acessíveis de filtragem, utilizando materiais simples como pedra, carvão, areia e garrafas PET. Superando limitações com criatividade As restrições de segurança proibiram o uso de objetos cortantes, elementos químicos que pudessem queimar ou qualquer material perfurante. Mesmo com as limitações, os estudantes conseguiram realizar os experimentos A realização dos experimentos dentro da unidade prisional representou um desafio único. “Tivemos que pensar numa temática sobre a água que pudesse ser realizada dentro de uma unidade prisional, cumprindo todos os requisitos de segurança”, conta a professora Luciana Moreira Braga, há 14 anos na rede de ensino. As restrições de segurança proibiram o uso de objetos cortantes, elementos químicos que pudessem queimar ou qualquer material perfurante. Mesmo com as limitações, os estudantes conseguiram realizar os experimentos. No projeto da moringa oleifera, eles utilizaram pilões tradicionais para triturar as sementes e observaram o processo de decantação após duas horas de aplicação na água turva. Ciência como ferramenta de ressocialização As professoras Marina da Costa, Gabriela Oliveira e Luciana Braga foram as responsáveis pela orientação dos projetos A participação no circuito proporcionou aos estudantes uma experiência transformadora. “Ver o experimento acontecendo é muito gratificante”, relata a professora Marina Ribeiro da Costa, que atua no sistema desde 2019. O momento da apresentação foi especialmente marcante. “Eles ficaram superempolgados, ansiosos, nervosos. É interessante poder proporcionar todas essas emoções para nossos alunos”, destaca Gabriela Oliveira. Como os estudantes não puderam comparecer presencialmente à etapa regional, as professoras os representaram na apresentação, levando os resultados dos projetos desenvolvidos integralmente pelos alunos dentro da penitenciária. Apoio institucional A iniciativa contou com o apoio decisivo da direção da PDF-IV e da equipe gestora do CED 01 de Brasília. A diretora da unidade escolar, Telma Cristiane de Almeida, destaca que este ano, com as devidas permissões, uma equipe avaliadora pôde visitar a escola. “A participação proporcionou aos alunos um senso de pertencimento e a compreensão de que possuem os mesmos direitos dos alunos de outras escolas. A experiência despertou o interesse dos alunos pela ciência e seu uso em benefício próprio”, complementa. "Os alunos viram que por meio da educação conseguem fazer algo para melhorar a vida das pessoas, usar o conhecimento para mudar o lugar onde vivem" Gabriela Oliveira, professora “O objetivo é fazer a ressocialização por meio da ciência com a educação. Os alunos viram que por meio da educação conseguem fazer algo para melhorar a vida das pessoas, usar o conhecimento para mudar o lugar onde vivem”, enfatiza Gabriela Oliveira. Perspectivas futuras A iniciativa ganha ainda mais relevância considerando o cenário da educação carcerária no DF. Dos quase 17 mil presos na capital federal, mais de dez mil não concluíram a educação básica. Atualmente, entre 2.100 e 2.400 custodiados recebem atendimento educacional por meio da EJA semestralmente. O DF é destaque nacional na expansão da educação prisional. Em 2024, com a ampliação de 40% da oferta educacional, saiu do 8º para o 3º lugar no ranking nacional de ampliação de vagas para educação no sistema prisional. *Com informações da Secretaria de Educação
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