DF acolhe e dá dignidade a refugiados indígenas da Venezuela
O Brasil é um refúgio para muitos cidadãos de países que passam por crises sociais, financeiras e políticas. Para muitos, o abrigo encontrado em Brasília, mais precisamente na região do Café sem Troco, no Paranoá, foi crucial para recomeçar o que parecia impossível. É o caso das 46 famílias de refugiados indígenas venezuelanos da etnia Warao Coromoto, que abandonaram seu país de origem em busca de melhores condições de vida no Distrito Federal. Crianças de 4 a 17 anos da comunidade Warao que nunca haviam frequentado salas de aula agora formam uma turma especial de 67 alunos na Escola Classe Café Sem Troco | Foto: Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília Se hoje contam com apoio do Governo do Distrito Federal (GDF), a comunidade precisou lidar, por meses, com a insegurança de estar em um país novo. “Nós ficamos por muito tempo morando no chão da Rodoferroviária de Brasília, dependendo da boa ação das pessoas. Lá na Venezuela não dava mais para ficar. Aos poucos, aqui, fomos ganhando acolhimento e apoio e hoje nós só temos a agradecer ao governo do DF”, diz, emocionado, o cacique da comunidade Warao, Miguel Antônio Quijada, 45 anos. Em atenção à comunidade refugiada, o GDF disponibilizou dez casas para abrigar os 46 núcleos familiares do grupo. Os indígenas moram em estruturas construídas no ano passado, fruto de uma parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Miguel Antônio Quijada, cacique da comunidade Warao: “Nós ficamos por muito tempo morando no chão da Rodoferroviária de Brasília, dependendo da boa ação das pessoas. Lá na Venezuela não dava mais para ficar. Aos poucos, aqui, fomos ganhando acolhimento e apoio e hoje nós só temos a agradecer ao governo do DF” “A nossa primeira grande conquista foi o local onde estamos instalados”, revela o cacique. De acordo com ele, a segunda vitória foi conseguir matricular todas as crianças e jovens da comunidade em uma instituição de ensino — realidade essa que nunca sequer havia acontecido quando moravam ainda na Venezuela. Foi a partir daí que o sonho de uma vida melhor começou a se concretizar. Para o cacique, não é apenas uma sala de aula de 70 metros quadrados. É um espaço que nunca havia sido frequentado pelas crianças de 4 a 17 anos da comunidade. A ânsia para aprender a ler e a escrever, pelo menos, o próprio nome é o que motiva as crianças a irem todos os dias para as aulas. Para recepcioná-los, em 2023, não foi tarefa fácil. A Escola Classe Café Sem Troco, localizada a cinco quilômetros de distância da comunidade, precisou passar por uma série de adaptações para acolher os 67 jovens Warao Coromoto. Professora bilíngue, com fluência em português e espanhol, uma intérprete de libras para atender uma aluna com deficiência auditiva e educadores sociais voluntários da própria comunidade se mobilizam dia após dia para garantir um ensino inclusivo aos alunos refugiados. A professora Maria Janerrandra Fogaça se sente orgulhosa em ser responsável pela mudança dos jovens Warao: “Vê-los comendo na hora da merenda é gratificante. Eles não tinham como se alimentar na Venezuela. Alguns costumes nós também conseguimos adaptar. A gente precisa prepará-los para conviver também fora da escola” Estratégias de socialização também fazem parte do planejamento educacional. Para os alunos brasileiros já matriculados na escola, a direção precisou incluir novas frentes de ensino. “Nós não podemos separar esses jovens dos outros que já estudavam aqui. Eles precisam conviver com todos, isso faz parte da cultura deles, de enxergar o mundo de forma coletiva”, defende a diretora da escola, Sheyla Cristina Alves Passos. “Por isso, os estudantes da comunidade Warao têm aulas de português, espanhol, warao e libras. Já as outras turmas também aprendem espanhol e libras para que possam se comunicar com os alunos refugiados”, conclui Sheyla. O processo de aprendizagem de quem antes não sabia ler nem escrever está avançando, apesar das dificuldades. As aulas, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 12h30, reúnem todos os alunos em uma única sala de aula, onde são criados grupos por nível de alfabetização. “As nossas crianças não liam, não falavam português, não escreviam e tinham muita vergonha. Agora já não tem mais isso. A gente vê que eles estão aprendendo. Para nós, não há maior compromisso no mundo do que garantir a entrada deles na educação”, defende o cacique. Josesu Pacheco Rojos, que chegou à escola neste ano e está aprendendo as primeiras etapas da alfabetização: ele quer ler e escrever para poder ensinar à família Transformação de vidas Questionada sobre os desafios de educar um grupo de refugiados indígenas venezuelanos, a professora Maria Janerrandra Fogaça não segurou as lágrimas: “Eles são os nossos filhos”, diz. “Eu não me imagino dando aula para outros alunos que não sejam eles. Eu sou apaixonada por todos. Quando saio de férias, não paro de pensar em todos. A realidade deles, quando chegaram aqui, me tocou muito. É Deus que nos capacita para essa posição e eu sou muito orgulhosa em ser a responsável pela mudança de vida deles”, compartilha. “Vê-los comendo na hora da merenda é gratificante. Eles não tinham como se alimentar na Venezuela. Alguns costumes nós também conseguimos adaptar. Hoje eles sabem comer direitinho, sem derrubar ou jogar a comida no chão. Eles aprenderam a usar o banheiro também. Eles estão com outros modos na hora de socializar também. A gente precisa prepará-los para conviver também fora da escola”, defende a professora. Além disso, a merenda escolar aos poucos foi aumentando a aceitabilidade. Antes havia espaço somente para arroz e frango, mas hoje há a possibilidade de comer verduras e cuscuz, por exemplo. Já dentro da própria comunidade, o apoio para se alimentar vem do GDF. Graças ao Cartão Prato Cheio, instituído pela Sedes-DF, os núcleos familiares conseguem adquirir o essencial para ter o que dar de comer à comunidade. Ler, escrever e falar Mesmo que ainda estejam em processo de alfabetização, é unânime entre todos os alunos da turma Warao: a primeira coisa que querem aprender a escrever sozinhos é o próprio nome. Para Birmarys Del Valle Zapata Rivero, 16 anos, a sua matéria preferida é o português: “Eu quero aprender a ler e a escrever para ajudar as minhas amigas. Eu sou muito mais feliz aqui do que na Venezuela”, avalia. Já para o Josesu Pacheco Rojos, 13 anos, o objetivo é ainda maior: “Eu quero logo saber escrever e ler porque eu quero ensinar a minha família também”. Ele chegou à escola neste ano e, há quase um mês tendo aulas, está aprendendo as primeiras etapas da alfabetização. “Ele é muito dedicado. Está em uma turma diferente porque ele entrou agora, neste ano letivo. Já está aprendendo as vogais. É difícil, mas ele está se saindo bem”, avalia a professora Maria Janerrandra. Já para Noli Zapata, 13 anos, o sonho com a alfabetização é, um dia, poder escrever um livro. “O que eu mais gosto de estudar é para aprender a ler e escrever. Quando eu souber, quero escrever livros. Eu também gosto muito de jogar bola aqui no Brasil”, revela a garotinha.
Ler mais...
Refugiados venezuelanos serão abrigados em casas temporárias
Dez casas abrigarão cerca de 150 pessoas de famílias refugiadas da Venezuela. Os indígenas da etnia Warao Coromoto, residentes no Distrito Federal desde 2020, serão acolhidos em estruturas temporárias instaladas nas redondezas de São Sebastião. Fruto de uma parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) e a Acnur, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, e de outras agências humanitárias, as unidades oferecem mais dignidade, conforto, proteção e privacidade aos cidadãos. De acordo com o oficial de Proteção da Acnur, em Brasília é a primeira vez que está ocorrendo o envolvimento da comunidade beneficiária na execução de projetos como os que a entidade participa ao redor do mundo | Foto: Renato Raphael / Sedes “Desde o início da pandemia, a Sedes e demais parceiros já acompanham essas famílias”, destaca a secretária de Desenvolvimento Social, Ana Paula Marra. “Tivemos a iniciativa de acionar a Acnur que, prontamente, viabilizou que o projeto se concretizasse”, complementa a gestora. [Olho texto=”“Foi uma forma de empoderar, dar poder de compra e autonomia de escolha. Premissas do Prato Cheio”” assinatura=”Ana Paula Marra, secretária de Desenvolvimento Social” esquerda_direita_centro=”direita”] Quando chegaram ao DF por meio de tratativas do governo federal para a interiorização dos refugiados venezuelanos, eles foram abrigados pela Caritas Brasileira, entidade vinculada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A partir daí, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Diversidade passou a prestar assistência e proteção social a esses cidadãos. Entre as ações do Creas Diversidade, está a busca por um terreno adequado para que pudessem instalar essas casas e, a partir daí, seguirem com uma vida autônoma. Na sequência, viabilizou-se os auxílio com o qual, entre outras gestões financeiras, pagam o aluguel desse espaço onde estão. Entre os espaços nas unidades que estão sendo montadas, está uma sala de estudos voltada às crianças que iniciam o ano letivo nos próximos meses Outro acompanhamento diz respeito à garantia da segurança alimentar e nutricional. Inicialmente, eram disponibilizadas duas cestas emergenciais por mês. Com o tempo e por meio de ações articuladas de educação alimentar, verificou-se que o mais adequado era a inserção no Programa Prato Cheio. Antes da concessão do benefício, as famílias passaram por oficinas para aprenderem a lidar com o dinheiro recebido mensalmente. Elas já começaram janeiro com o cartão e podendo adquirir itens que, de fato, fazem parte da cultura alimentar delas. “Foi uma forma de empoderar, dar poder de compra e autonomia de escolha. Premissas do Prato Cheio”, enfatiza Ana Paula Marra. As casas provisórias A Acnur auxiliou com a doação das estruturas resistentes, principalmente, à ação das chuvas típicas desse período. A Sedes precisou viabilizar, dentro do Governo do Distrito Federal, o fornecimento de paletes, brita, uma parte da mão de obra e a preparação do terreno (poda de árvores, roçamento da grama). A ONU cuidou do deslocamento dos materiais até o local e da designação de uma engenheira para dar andamento à instalação, iniciada na semana passada. As casas provisórias têm vida útil de cerca de três anos. Dessa forma, como direcionamento do próprio desenvolvimento social, a comunidade começa a pensar em outras formas de organização e é uma maneira de incentivar a autonomia. [Relacionadas esquerda_direita_centro=”direita”] “Já executamos projetos parecidos ao redor do mundo e no Brasil, por exemplo, em Roraima. Porém, com a efetiva participação e envolvimento da comunidade beneficiária, somente ocorreu aqui no DF”, conta o oficial de Proteção da Acnur, Pablo Mattos. As unidades vão garantir um dormitório coletivo, uma sala de atividades voltada ao estudo das crianças que iniciam o ano letivo nos próximos meses e às atividades de artesanato das mulheres, um outro espaço fica como sede da Associação de Moradores já organizada, inclusive com CNPJ formalizado, bem como para atendimentos da equipe de saúde encarregada do monitoramento da comunidade. Atualmente, as famílias já moram no terreno onde as casas estão sendo montadas, mas em outras estruturas. O local tem banheiros e já conta com instalações de energia e água. *Com informações da Secretaria de Desenvolvimento Social
Ler mais...