Estudantes estrangeiros aprendem português nos centros interescolares de línguas
A barreira da linguística não é mais obstáculo para centenas de estudantes migrantes que vivem no Distrito Federal. A Secretaria de Educação do DF (SEEDF) instituiu, em janeiro deste ano, a Política de Acolhimento a Migrantes Internacionais Falantes de Outras Línguas, intitulada Bem-vindos ao Distrito Federal e regulamentada pela Portaria nº 94/2025. A iniciativa assegura o acesso à educação a migrantes, refugiados, apátridas e emigrantes retornados, independentemente da situação imigratória ou documental, com prioridade para o ensino de Português como Língua de Acolhimento (PLAc). As primeiras turmas funcionam em seis centros interescolares de línguas (CILs) — Guará, Asa Norte, Ceilândia, Samambaia, Taguatinga e São Sebastião — e atendem estudantes a partir do 6º ano do ensino fundamental. Já as crianças menores seguem recebendo apoio nas próprias escolas, com incentivo à criação de ambientes multilíngues e inclusivos. Professor Pedro Reis e o aluno colombiano Carlos Athuro Gomez Gomez | Fotos: Matheus H. Souza/Agência Brasília A diretora do CIL do Guará, Taiana Santana, destaca o avanço que a transformação do projeto em política pública representa. “Nós já tivemos formaturas deles falando em português, eventos em que eles trouxeram comidas típicas, e os nossos alunos tiveram a oportunidade de conhecer culturas diferentes. É grandioso. Hoje temos 160 alunos, além dos mais de 300 que já passaram pelo curso”. A implementação da política também incluiu cursos de formação continuada para professores e a produção de materiais específicos, como o Caderno Pedagógico Migrantes e o videocast Migrantes Internacionais: a língua como acolhimento, disponíveis no YouTube da Escola de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape) e no site da secretaria. Outro destaque é o documentário CILG – Bem-vindos ao DF – Migrantes Internacionais, que apresenta a experiência no CIL do Guará. “Nós já tivemos formaturas deles falando em português, eventos em que eles trouxeram comidas típicas, e os nossos alunos tiveram a oportunidade de conhecer culturas diferentes. É grandioso. Hoje temos 160 alunos, além dos mais de 300 que já passaram pelo curso” Taiana Santana, diretora do CIL do Guará Para viabilizar a implementação, foi realizada uma formação continuada no primeiro semestre de 2025, por meio de uma parceria entre a Subsecretaria de Educação Inclusiva e Integral (Subin) e a Eape. O curso foi destinado a professores de línguas, que já estão atuando nas turmas iniciais do PLAc. A Diretoria de Educação em Direitos Humanos e Diversidade (DDHD), vinculada à Subin, coordena as ações e garante a matrícula de estudantes migrantes mesmo sem documentação, além de oferecer orientações práticas às escolas por meio da Circular nº 27/2024. A vice-diretora do CIL do Guará, Priscila Mesquita, complementa que o curso é reconhecido pela Polícia Federal, o que auxilia no processo de legalização da permanência de migrantes no país. “Isso muda o destino deles aqui: integração, oportunidades de trabalho, socialização e felicidade. É uma troca muito rica”. Muito além do idioma O Português como Língua de Acolhimento é voltado para o ensino do idioma e da cultura brasileira. O curso funciona em formato híbrido, com aulas semanais. Aulas online permitem a participação de quem trabalha, mas também há encontros presenciais para atendimento individualizado, sobretudo para iniciantes ou falantes de línguas tipologicamente diferentes do português, como o árabe. A coordenadora do curso no CIL do Guará, Danielle Paz, destaca que o PLAc vai além do aprendizado da língua, proporcionando trocas culturais e um olhar humanizado para individualidade e tradição de cada estudante. “A gente atende migrantes internacionais, alguns em situação de refúgio de guerras, que dependem do aprendizado do idioma para viabilizar a vida aqui. Eles vêm com essa motivação de estabelecer uma vida nova, ter novas esperanças. Nós recebemos esses alunos cuidando do ensino e de encaminhamentos que eles precisam”, afirma. Danielle ressalta que ao início do curso é feita uma avaliação chamada needs analysis, para identificar e adaptar as necessidades de cada aluno. É o caso de alunas muçulmanas, que precisam estar em um ambiente separado dos homens, ou outros estudantes que têm um espaço separado para fazer as orações que a tradição exige durante o dia. “Fazemos questão de não anular a cultura deles, porque eles têm que se sentir valorizados como povo, ter espaço de fala e oportunidade de mostrar os costumes e a identidade deles”, diz Danielle. [LEIA_TAMBEM]O professor Pedro Reis, que atuou nas primeiras turmas, lembra dos desafios iniciais do curso, que enfrentou a necessidade de letramento digital para viabilizar as aulas online durante o período pandêmico. “Eu nunca tinha trabalhado com um público tão diverso. Era gente do Haiti, Congo, Vietnã, Holanda, tudo junto no nível iniciante. É muito interessante ter essa experiência, porque ao mesmo tempo que ensinamos elementos de cultura brasileira, aprendemos muito sobre a cultura deles”. Ele reforça a importância do Centro de Línguas do DF e o curso como uma política pública, apontando que a tendência do Brasil de receber cada vez mais migrantes: “Temos uma política de migração relativamente fácil em relação a outros países, isso é um atrativo para as pessoas. Mas muitas vezes elas chegam aqui e a primeira barreira é a linguística. Ter acesso a uma escola de idiomas muda o destino delas, a integração com a comunidade, as oportunidades de trabalho. Com a nova portaria, vamos aumentar o acesso, melhorar a qualidade e ficar mais próximo das comunidades, o que resulta em uma probabilidade muito maior de permanência no curso.” Vozes de quem aprende A bangladesa Humaira Ferdousi, 48, está no Brasil há dois anos. Ela veio com o marido, que é diplomata do país do sul da Ásia. Para Humara, que tem como língua original o bengali (também chamado de bangla), a comunicação era difícil até na hora de usar a moeda brasileira. Ela conta que tudo mudou quando conheceu o CIL: “Quando cheguei, não entendia nada de português. Era difícil até comprar as coisas básicas. Agora eu entendo melhor, posso perguntar, comprar. Fui muito bem-recebida nesse curso; os professores e colegas são muito amigáveis e respeitosos”, observa. A bangladesa Humaira ferdousi, 48, está no Brasil há dois anos e é uma das alunas do projeto O colombiano Carlos Athuro Gomez Gomez, de 71 anos, mora há dois anos no Brasil. O aposentado já morou na Espanha, residiu dez anos no Canadá e conheceu diversos países, mas o Brasil é dono de um lugar especial no coração - palco da história de amor que o trouxe até o país, com uma carioca que conheceu em suas viagens. Carlos diz que na verdade é apaixonado pela cultura brasileira e, com muita bagagem para compartilhar, se diz feliz por ter encontrado um lugar de tantas trocas. “Vim ao Brasil por uma mulher, nos casamos e já nos divorciamos, mas não vou partir”, conta. “Estou muito feliz em viver aqui e por ter encontrado um lugar como o CIL, que se preocupa com as pessoas e com o aprendizado maior que só o idioma. Isso é muito importante, porque precisamos aprender português para agir, trabalhar, se integrar na comunidade. As pessoas aqui são muito gentis, o brasileiro, de forma geral, é muito gentil.”
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Curso de português melhora qualidade de vida de imigrantes
O desemprego e o medo da violência trouxeram Yolanda Jeancilien ao Brasil. Em maio do ano passado, a haitiana saiu de seu país natal e desembarcou na capital federal em busca de uma vida melhor. Não falava uma palavra do idioma local. Não conhecia as leis e os costumes brasileiros. Até que, por indicação de outros imigrantes estrangeiros, conheceu o curso de português do Centro Interescolar de Línguas (CIL) do Guará. A professora Fabíola Ribeiro diz que muitos alunos que ficam em lista de espera passam por teste de nivelamento para ajudar a quem já tem alguma familiaridade com a língua | Fotos: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília “Professora é boa”, garante a moça de 32 anos, com a dificuldade de quem começou a aprender um novo idioma há pouco menos de um mês. “Não trabalho, estou procurando. Vai ajudar”, completa. Yolanda é um dos 140 estrangeiros que, atualmente, estudam gratuitamente no CIL do Guará. São alunos de mais de 20 nacionalidades diferentes que encontram no curso muito mais do que a chance de aprenderem a língua portuguesa. [Olho texto=”“Mais do que ensinar um novo idioma, nós investimos na integração desses alunos no país”” assinatura=”Taiana Santana, diretora do CIL do Guará” esquerda_direita_centro=”direita”] As aulas na instituição pública têm como foco o ensino do português como ferramenta de acolhimento para quem escolheu o Brasil como lar. “Mais do que ensinar um novo idioma, nós investimos na integração desses alunos no país”, explica a diretora do CIL do Guará, Taiana Santana. “Explicamos sobre os direitos deles, ensinamos a tirar os documentos, falamos sobre o Sistema Único de Saúde [SUS] e sobre a rede pública de ensino”. A haitiana Yolanda Jeancilien chegou ao Brasil sem saber pronunciar uma palavra em português e agora, já com um bom conhecimento do idioma, está procurando trabalho O curso é apoiado em um tripé que envolve língua, cultura e cidadania, sempre respeitando as crenças e os hábitos de cada estudante. As aulas têm 1h40 de duração e são realizadas três vezes por semana, em formato híbrido: duas online e uma presencial. “Temos muitos alunos mulçumanos, algumas moças só podem ficar em uma sala na companhia de outras mulheres… Levamos tudo isso em consideração”, observa Taiana. Há dez anos na cidade, o empresário nigeriano Chidera Ifeanyi se considerava tímido e tinha vergonha porque não falava o português. Quando encerrou o curso, foi o “orgulhoso orador da classe” A primeira turma do curso de português do CIL formou-se no final de 2022, depois de três anos de estudo. O nigeriano Chidera Ifeanyi, morador de Brasília há dez anos, foi o orgulhoso orador da classe. “Eu era muito tímido, tinha vergonha porque não falava português direito, errava bastante”, confessa o empresário de 35 anos. “O curso me ajudou muito. Hoje tenho mais confiança, sei que me comunico bem”. Taiana Santana diz que o curso para estrangeiros também explica sobre os direitos deles, ensina a tirar os documentos, fala sobre o Sistema Único de Saúde e sobre a rede pública de ensino Matrícula As inscrições para o curso de português são abertas semestralmente com a oferta de 35 novas vagas, em média. Se a procura for maior, os interessados vão para uma lista de espera. “Muitos acabam sendo chamados, porque fazemos um teste de nivelamento para adiantar quem já tem alguma familiaridade com a língua”, comenta a professora de português da instituição, Fabíola Ribeiro. Por enquanto, o CIL do Guará é o único a oferecer aulas de português. Mas a Secretaria de Educação (SEE) está analisando junto à Diretoria de Direitos Humanos da própria pasta uma forma de ampliação e regularização do projeto, para que uma camada maior de imigrantes estrangeiros possa ter acesso ao curso. [Relacionadas esquerda_direita_centro=”direita”] O Distrito Federal conta com 17 centros interescolares de línguas, responsáveis por atender um total de 49.737 alunos. Todos eles oferecem três idiomas básicos: inglês, espanhol e francês. Além disso, algumas escolas têm curso de japonês. O endereço de cada unidade, bem como os idiomas trabalhados nela, estão no site da Secretaria de Educação. Qualquer estudante a partir do 6º ano do ensino fundamental, incluindo o ensino médio e o segundo e terceiro segmentos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pode se inscrever no CIL. Para os alunos da rede pública, o processo é feito pelo site da SEE. Os contemplados, no entanto, devem comparecer à unidade escolhida para efetivar a matrícula. As vagas remanescentes são abertas à comunidade.
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