Projeto do FAC leva pessoas cegas e com baixa visão para peça teatral acessível em Ceilândia
“Ele está com a mão estendida para ela, oferecendo um livro. Ela pega, observa o objeto, parece feliz com o presente.” Frases como essa podem parecer inusitadas para quem enxerga com facilidade. Mas, para pessoas cegas ou com baixa visão, são valiosas: formam a ponte entre o palco e a imaginação. Nesta sexta-feira (27), estudantes do Centro de Ensino e Desenvolvimento Visual (CEEDV) puderam sentir a magia do teatro graças ao espetáculo A Sós, do Grupo Pele, em Ceilândia. A peça foi transmitida ao público por meio da audiodescrição, recurso que traduz em palavras os elementos visuais de cada cena. Com apoio do FAC, o espetáculo A Sós tem apresentação neste sábado (28), às 19h, para o público em geral | Fotos: Joel Rodrigues/Agência Brasília O espetáculo A Sós integra o projeto Pele em Curso, que conta com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec). A iniciativa contempla oficinas de dança para estudantes da rede pública e apresentações teatrais acessíveis, para descentralizar e democratizar a produção artística. As outras montagens serão Inabitável, em Taguatinga, Um Lugar de Amor, na Asa Sul, e O Labirinto de Vidro, no Gama. "Escolher fazer arte é sobre querer que chegue para todo mundo de alguma forma", afirma Catherine Zilá, ao lado de Carlos Guerreiro Segundo o co-diretor da peça, Carlos Guerreiro, foram selecionados espaços que dispõem de acessibilidade para pessoas com deficiência. “São lugares que têm rampa de acesso, banheiros acessíveis, cadeiras específicas, e daí, a partir disso, pensamos em como traduzir o nosso espetáculo para que todas as pessoas pudessem entender, com a interpretação de libras e audiodescrição”, afirma. A co-diretora da peça, Catherine Zilá, salienta que o esforço em alcançar este público faz parte da missão do teatro. “Escolher fazer arte é sobre querer que chegue para todo mundo de alguma forma. Quando estamos em cima do palco, a gente afeta e a gente se sente afetado. Então, conseguir afetar todo mundo, independente de deficiências ou não, é muito especial”, assinala. A Sós conta a história de um casal dentro do apartamento, desde o início do relacionamento ao momento em que percebem ter idealizado o outro, quando começam as frustrações e os desentendimentos. Os dois co-diretores, que são também bailarinos e coreógrafos, formam o casal em cena, levando o público para vivenciar o ápice e o declínio da paixão. A produção de dança contemporânea combina acrobacias, projeções audiovisuais em stop motion e trilha sonora brasileira. Ouvir para ver "Reconhecemos o esforço da equipe e a importância do fomento do FAC, fazendo com que eles estejam inclusos na questão cultural que sempre estiveram à margem", diz Gabriela Passos A tarefa de transmitir cada olhar, suspiro ou sorriso da dupla para os espectadores ficou com a audiodescritora Gabriela Passos, que também é professora do CEEDV. “Em um espetáculo como esse, que não tem falas, todo o contexto da história do casal, que se passa no palco, eu transmito para eles. Se uma hora estão amorosamente se relacionando e depois brigam, eu tenho que contar para que continuem acompanhando essa história, mesmo que seja no formato de uma dança”, explica. “É muito rico e é a única forma que esse público pode ter acesso a esse espetáculo. Reconhecemos o esforço da equipe e a importância do fomento do FAC, fazendo com que eles estejam inclusos na questão cultural que sempre estiveram à margem.” Noemi Rocha destaca a importância da audiodescrição: "Nos inclui, abraça, acomoda o nosso coração, porque a cena vai passando e vamos imaginando" Para garantir a presença dos espectadores, o projeto Pele em Curso disponibilizou um micro-ônibus para buscar os estudantes do CEEDV e visitantes da Biblioteca Braille Dorina Nowill, em Taguatinga. O espetáculo ocorreu no Teatro Sesc Newton Rossi, em Ceilândia. No mesmo dia, também houve uma apresentação com foco na interpretação em libras. [LEIA_TAMBEM]A servidora pública Noemi Rocha, 64, ficou feliz com o convite para ir ao teatro. “Perdi a visão na fase adulta, em um acidente de carro nos anos 1990, mas sempre fui da cultura. Sempre gostei de teatro, filmes, tudo que é relacionado à cultura e ao entretenimento. Então, é uma honra e uma alegria participar desse evento”, diz ela, que destaca a importância da audiodescrição. “É uma ferramenta indispensável para as pessoas com deficiência visual. Nos inclui, abraça, acomoda o nosso coração, porque a cena vai passando e vamos imaginando.” O sentimento de pertencimento é compartilhado pela servidora pública Margareth Leles, 42, que é aluna do CEEDV. Ela também perdeu a visão quando adulta e passa por um processo de adaptação à condição. “É um misto de gratidão e felicidade, de se sentir de fato incluída e poder acessar a arte em toda a sua potencialidade, utilizando os sentidos que hoje estão aqui funcionando adequadamente. A visão não funciona, mas o ouvido e o tato funcionam”, pontua. “A audiodescrição traz esse complemento para que a gente possa aproveitar o espetáculo ao máximo, e é fundamental o apoio do FAC para a inclusão das pessoas com deficiência visual e das demais outras deficiências na nossa sociedade.” Serviço O espetáculo A Sós estará disponível para o público geral neste sábado (28), às 19h, no Teatro Sesc Newton Rossi, em Ceilândia. Ingressos neste link. A classificação é 14 anos. Mais informações no perfil do Grupo Pele.
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Hoje é celebrado o Dia Nacional do Sistema Braille
O Dia Nacional do Sistema Braille é celebrado neste 8 de abril e permanece como um ‘ponto de luz’ ao lembrar como o método é indispensável na vida de pessoas cegas e com deficiência visual. O braille significa, antes de tudo, inclusão social. Aqui no DF, a Biblioteca Dorina Nowill, em Taguatinga, é a única unidade pública braille e o ponto de encontro desse público que a adota como uma segunda casa. Com o nome em homenagem a uma professora cega que criou uma entidade para o acesso dos cegos à educação, a biblioteca tem um acervo de dois mil exemplares, com 800 títulos. Isso porque o livro em braille ocupa, em média, até três volumes. Obras para adultos, crianças e também audiolivros, além de um telecentro de acessibilidade, que reúne computadores com acesso livre à internet. Mais que um espaço para leitura, ali se reproduz artes como a música, poesia e muitas histórias contadas. A Biblioteca Dorina Nowill, em Taguatinga, é a única unidade pública braille no DF | Fotos: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília A coordenadora do espaço, Eliane Ferreira: “Digo aqui que é uma biblioteca viva… Não só com nossas obras, mas também com projetos de inclusão” “Digo aqui que é uma biblioteca viva… Não só com nossas obras, mas também com projetos de inclusão, como as rodas de leitura semanais, a contação de histórias, a feira feita anualmente com entidades que atendem os deficientes visuais”, explica a coordenadora do espaço, Eliane Ferreira. “A parte psicológica e emocional do cego muda muito na medida em que convivem uns com os outros, veem a capacidade de superação de seus pares e percebem que também podem se superar”, pontua Leonilde Fontes, servidora da biblioteca há 17 anos. O músico Ricardo José aprendeu a habilidade de contador de histórias na Biblioteca Dorina Nowill São frequentadores fiéis, como o músico e contador de histórias – habilidade aprendida na Dorina Nowill –, Ricardo José, 48 anos. Morador de Ceilândia, ele anima a turma com seu violão e o ukulele. Vai de metrô para a biblioteca. Ou a pequena Ana Clara Xavier, 9, que tem cegueira total e vai com a mãe Maria Aparecida se divertir na biblioteca. Quando ela não vai, são os livros que vão para casa, emprestados. “Gosto muito dos livros. E se não fosse o braille, não conseguiria ler igual todo mundo”, conta. “Na primeira vez que fui lá, ganhei um conjunto de livros da Turma da Mônica. E, agora, quero um dia ir para cantar”, emenda Ana, com desenvoltura ímpar. Reginaldo Ramos: “Acho que hoje as pessoas olham para gente com menos desprezo” Missionário e morador do Jardim Ingá (GO), Reginaldo Ramos, 50, também é facilmente visto por lá. Carrega consigo uma réplica de uma bíblia, que combina o braille para se escolher a passagem e um aparelho de áudio que a reproduz. Também se arrisca na poesia, na qual escreveu as rimas de Brasília Terra Querida. “Acho que hoje as pessoas olham para gente com menos desprezo. Hoje tem cego com canal no YouTube, outros que escrevem livros ou apresentam programa de rádio, como já fiz”, revela. “Hoje o governo, de modo geral, nos dá mais oportunidades. E a biblioteca é meu refúgio”, confessa. O braille O dia 8 de abril é um dia para se lembrar do braille Criado pelo francês Louis Braille, o braille é um sistema de escrita e leitura tátil baseado em códigos em relevo, com os quais se pode representar as letras do alfabeto, algarismos, símbolos, dentre outros. O 8 de abril, em nosso país, faz alusão ao nascimento de José Alvares de Azevedo, primeiro professor cego que trouxe o método da França, ensinou e divulgou o sistema de leitura e escrita que muda a vida de milhões de deficientes visuais em todo o mundo.
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